Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal realiza nesta segunda-feira (28) os interrogatórios dos réus da Ação Penal 2696, que investiga o chamado Núcleo 3 da tentativa de golpe de Estado. Dez militares de alta patente, acusados de atacar o sistema eleitoral e articular ações para uma ruptura institucional, são ouvidos por videoconferência.
Entre os principais depoimentos desta manhã, estão os do coronel Bernardo Romão Correa e do general da reserva Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira. Os militares são acusados de participar de um plano que incluía o assassinato de autoridades que pudessem resistir ao golpe, além de pressionar o Alto Comando do Exército a aderir à trama golpista.
Coronel confirma existência da “carta do golpe” mas nega autoria
O coronel Bernardo Romão Correa admitiu durante o interrogatório a existência da “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”, documento que teria sido enviado ao então comandante Freire Gomes. Segundo Correa, ele apenas repassou o documento após solicitação, mas não participou de sua elaboração.
“Essa era uma carta de coronéis do Exército direcionada ao comandante do Exército. O Bastos me mandou essa mensagem solicitando, dizendo que o chefe dele estava solicitando essa carta”, explicou o militar durante o depoimento. Ele alegou ter buscado a carta em um grupo de sua turma militar e a repassado conforme solicitado.
O coronel negou que o documento tenha sido confeccionado durante o encontro de militares realizado em 28 de novembro de 2022, em Brasília. Citando uma sindicância do Exército e relatório da Polícia Federal, Correa argumentou que as últimas modificações do documento foram feitas pela manhã do dia 28, tornando “impossível” que os participantes da reunião noturna tenham alterado o texto.
General Theophilo contesta versões de Mauro Cid
O general da reserva Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira iniciou seu interrogatório com uma negativa categórica de todas as acusações. Classificando as imputações como “covardes” e “aberrações”, o militar afirmou sua “total inocência” em todos os tipos penais que lhe são atribuídos pelo Procurador-Geral da República (PGR).
Theophilo direcionou críticas específicas às declarações do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que prestou delação premiada no caso. Segundo o general, Cid mudou suas versões ao longo dos depoimentos, inicialmente descrevendo-o como “legalista” que “jamais romperia o ciclo da legalidade”, mas posteriormente afirmando que ele teria prometido fazer o Exército cumprir um eventual plano golpista.
“Algo completamente inexequível. Eu não tinha poder, não tinha autoridade, não tinha tropa”, rebateu o general, contestando a possibilidade de ter feito tal promessa. Ele negou qualquer conhecimento sobre documentos que promovessem quebra da institucionalidade e reafirmou nunca ter participado de discussões sobre golpe de Estado.
Reunião no Alvorada descrita como “apoio psicológico”
Sobre o encontro com o então presidente Jair Bolsonaro em 9 de dezembro de 2022, no Palácio da Alvorada, Theophilo ofereceu uma versão diferente da apresentada pela acusação. Segundo o general, ele representava o comandante do Exército, Freire Gomes, que estava fora de Brasília, e sua missão era dar apoio psicológico ao presidente, que se encontrava “deprimido”.
“A missão era dar apoio ao presidente, acalmá-lo e tranquilizá-lo”, declarou Theophilo. Ele negou ter conversado sobre qualquer minuta golpista durante o encontro, afirmando que “não foi apresentado nenhum documento nem foi proposta alguma coisa ilegal”. O general relatou ter dado apenas um conselho ao presidente: “Senhor Presidente, tudo já passou e agora é tocar pra frente”.
O depoimento contradiz as investigações da PGR, que apontam esta reunião como um dos momentos cruciais da articulação golpista, quando teria sido apresentado um plano para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Cronograma dos interrogatórios e próximos passos
Além de Correa e Theophilo, também fazem parte do Núcleo 3, os coronéis Fabrício Moreira de Bastos e Márcio Nunes de Resende Jr., cinco tenentes-coronéis (Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo, Ronald Ferreira de Araújo Jr. e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros), além do agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares.
Os interrogatórios estão sendo realizados por videoconferência, em ordem alfabética, sob a condução de juízes auxiliares do gabinete do relator, ministro Alexandre de Moraes. As audiências são transmitidas ao vivo pelo canal oficial do STF no YouTube, garantindo transparência ao processo.
Esta fase processual sucede a oitiva das testemunhas de defesa e acusação, que foi encerrada na última quarta-feira (23). Os réus do Núcleo 3 respondem por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, além de deterioração de bem tombado.