Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (8) o julgamento que pode selar o destino da Ferrogrão, ferrovia estratégica projetada para conectar o Pará ao Mato Grosso. Em pauta está a constitucionalidade da Lei 13.452/2017, que reduziu aproximadamente 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar a construção do empreendimento voltado ao escoamento da produção agrícola da região. A decisão coloca em lados opostos desenvolvimento econômico e preservação ambiental, em um debate que mobiliza desde representantes de povos indígenas até o setor produtivo nacional.
A sessão, suspensa na semana anterior, foi retomada com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, favorável à constitucionalidade da lei. O ministro converteu o referendo da medida cautelar em julgamento de mérito, decidindo pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553, movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
O julgamento, contudo, não foi concluído. O ministro Flávio Dino pediu vista do processo, solicitando mais tempo para análise aprofundada do tema.
Moraes julga lei constitucional e destaca compensação ambiental
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou em seu voto que a lei não isenta o empreendedor dos devidos licenciamentos ambientais junto aos órgãos competentes. Inicialmente, ele reconheceu que a redução da área protegida não poderia ser feita por Medida Provisória, conforme precedente do Supremo, mas sim por lei formal. No entanto, segundo o relator, a MP 756/2016 estabeleceu uma compensação que afasta a inconstitucionalidade formal do processo.
“A Medida Provisória fez uma compensação dos 862 hectares retirados, quando ela concedeu 51 mil hectares”, argumentou Moraes. O ministro destacou que a redução representa apenas 0,054% da área original do parque, condicionada à efetiva implementação da Ferrogrão mediante a obtenção de todas as licenças ambientais necessárias.
Citando parecer da Procuradoria-Geral da República, o relator afirmou que “não se visualiza prejuízo ambiental relevante nessa área”. Para Moraes, laudos, pareceres técnicos e órgãos competentes demonstraram que nenhuma intervenção no meio ambiente causadora de degradação será permitida sem o prévio licenciamento ambiental, concluindo que “não há nenhum perigo de dano ambiental iminente”.
Impactos econômicos e ausência de terras indígenas no trajeto
O ministro também rebateu preocupações sobre impactos em terras indígenas, afirmando que não há nenhuma área demarcada dentro do traçado da ferrovia. Segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) citados por Moraes, a terra indígena mais próxima fica a quatro quilômetros de distância do empreendimento.
Quanto aos aspectos econômicos, o relator destacou que estudos demonstram tratar-se de um empreendimento de quase R$ 9 bilhões, capaz de gerar desenvolvimento sustentável na região. Entre os benefícios apontados estão a redução de quase 50% na emissão de CO2, a diminuição do chamado custo Brasil e a geração de cerca de 30 mil empregos diretos e indiretos.
“Não há uma agressão ao meio ambiente, aqui está dentro do que a Constituição permite, estipula como desenvolvimento sustentável”, concluiu Moraes. O ministro Luís Roberto Barroso seguiu o voto do relator, porém com um acréscimo, facultando ao Poder Executivo compensar a área diminuída por decreto até o máximo previsto na MP original. Moraes aderiu à sugestão de Barroso.
PSOL questiona origem da lei e alerta para impactos irreversíveis
O representante do PSOL, Raphael Sodre Cittadino, na sesão plenária do dia 02/10/2025, sustentou que a lei “nasceu viciada, fruto de uma Medida Provisória inadequada”. O advogado argumentou que a Constituição Federal é clara ao estabelecer que áreas de preservação só podem ter suas delimitações alteradas mediante lei específica, nunca por Medida Provisória, como ocorreu no caso.
Cittadino destacou ainda a ausência de estudos de viabilidade necessários para um empreendimento de tamanha magnitude. Segundo sua sustentação, a ferrovia trará consequências sociais, ambientais e culturais irreversíveis para a região amazônica, uma das mais preservadas do país, colocando em risco ecossistemas únicos.
O advogado alertou também para impactos sobre a biodiversidade local, afirmando que o projeto ameaça a existência de diversas espécies da fauna e flora. Além disso, segundo a defesa do PSOL, a Ferrogrão colocaria em risco 14 terras indígenas demarcadas e cinco povos isolados que vivem na área de influência da ferrovia, contrariando dados apresentados pelo relator.
AGU reconhece vícios, mas defende viabilidade do empreendimento
Em posicionamento que surpreendeu observadores, o advogado Antônio Marinho Rocha Neto, da Advocacia-Geral da União (AGU), também defendeu a inconstitucionalidade da norma questionada. Ele argumentou que a lei foi editada na contramão do dever constitucional do poder público de proteger o meio ambiente, reconhecendo falhas no processo legislativo.
O representante do governo federal apontou especificamente a supressão da devida contrapartida ambiental que estava originalmente prevista na Medida Provisória nº 756/2016, posteriormente convertida na lei hoje questionada. Essa omissão, segundo Marinho, representa grave violação aos princípios de proteção ambiental estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
Apesar de reconhecer os vícios formais e materiais da norma atual, a AGU deixou claro que não se opõe à criação da Ferrogrão em si. O órgão defende que o empreendimento pode ser viabilizado, desde que cumpridos todos os requisitos legais e ambientais aplicáveis. “Desde que observados os requisitos legais e ambientais aplicáveis, o empreendimento poderá trazer avanço logístico para o país, com potencial de geração de empregos e ampliação da capacidade de transporte e competitividade no escoamento da produção agrícola pelo arco norte”, afirmou a AGU em sua sustentação oral.
Histórico de suspensão e definição de precedentes importantes
Em março de 2021, o ministro Alexandre de Moraes já havia suspendido liminarmente a eficácia da Lei 13.452/2017, impedindo temporariamente o avanço do projeto. Na ocasião, o relator considerou que a alteração territorial em unidade de conservação não poderia ter sido realizada por meio de Medida Provisória, reforçando jurisprudência já consolidada no tribunal.
A decisão liminar manteve a Ferrogrão em compasso de espera por mais de três anos, gerando expectativas tanto no setor produtivo quanto entre ambientalistas.