Da Redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) dá início nesta quarta-feira (10) ao julgamento que pode redefinir os rumos da demarcação de terras indígenas no Brasil. Em pauta está a análise da constitucionalidade da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023), que estabelece critérios controversos para o reconhecimento de territórios ancestrais dos povos originários. A sessão marca o desfecho de um longo processo de conciliação que envolveu 23 audiências realizadas entre agosto de 2024 e junho de 2025.
Nesta primeira etapa, o Plenário se dedicará à leitura do relatório elaborado pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso, e às sustentações orais das partes envolvidas e terceiros interessados. A fase de votação será agendada posteriormente, o que demonstra a complexidade e a sensibilidade do tema. O tribunal analisa conjuntamente quatro ações: a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, todas sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Acordo histórico resulta de amplo processo de conciliação
O caminho até este julgamento foi marcado por um esforço inédito de diálogo entre as partes conflitantes. O STF conseguiu costurar um acordo para uma proposta de alteração da Lei do Marco Temporal, com a aprovação de uma minuta conjunta contendo diversos pontos consensuais. O documento é resultado da análise de um anteprojeto de lei elaborado pelo ministro Gilmar Mendes, que conduziu as negociações ao longo de quase um ano.
Durante as audiências de conciliação, foram debatidos temas fundamentais como a jurisprudência do STF e da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o marco temporal, além dos direitos indígenas discutidos na Assembleia Constituinte de 1987 e previstos na Constituição de 1988. As sessões temáticas contaram com a participação de lideranças indígenas, antropólogos e cientistas sociais, garantindo uma abordagem multidisciplinar ao problema.
Um avanço significativo foi registrado quando a União informou ter chegado a um consenso com a Confederação Nacional dos Municípios sobre a redação da proposta que prevê a participação dos municípios no processo demarcatório. Além disso, um Plano Transitório de Regularização das Terras Indígenas foi apresentado ao ministro Gilmar Mendes, sinalizando possíveis caminhos para a implementação prática das decisões judiciais.
Implicações para a demarcação de territórios ancestrais
A Lei do Marco Temporal estabelece que apenas terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas. O critério é contestado por organizações indigenistas e movimentos sociais, que argumentam que muitas comunidades foram expulsas de seus territórios antes dessa data, em processos violentos que não podem ser ignorados pelo Estado brasileiro.
A discussão envolve também a interpretação do conceito de “renitente esbulho”, que permitiria a demarcação de terras das quais os indígenas foram expulsos, desde que estivessem em disputa judicial ou lutando pela reocupação em 1988. Especialistas apontam que essa interpretação pode deixar de fora comunidades que foram violentamente removidas antes da Constituição e não tiveram condições de resistir.
Retomada do caso Eletrobras também marca a pauta
Além do Marco Temporal, o Plenário do STF deve retomar nesta quarta-feira a discussão sobre a homologação do acordo que redefiniu a participação da União no conselho da Eletrobras, após o processo de desestatização. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7385 foi interrompido com um placar apertado e deve ter continuidade com a apresentação do voto do ministro Luiz Fux.
Atualmente, o resultado assim: cinco ministros votaram pela homologação integral do acordo e quatro pela homologação parcial, sem que nenhuma das correntes tenha alcançado os seis votos necessários para formar maioria. A divergência central gira em torno da amplitude da validação: se o tribunal deve aprovar integralmente os termos negociados ou restringir sua análise apenas aos pontos diretamente relacionados à inconstitucionalidade questionada.
As negociações entre as partes foram conduzidas pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), resultando em um acordo complexo que vai além da simples questão do poder de voto da União na empresa. O debate tem gerado discussões intensas entre os magistrados sobre os limites da atuação do STF em processos de conciliação envolvendo questões administrativas e empresariais.
Divergências sobre governança e Angra 3
O ministro Nunes Marques, relator da ação sobre a Eletrobras, defendeu a homologação integral do acordo, argumentando que a solução permitiria estabelecer a governança da empresa de forma clara e definitiva. Segundo os termos apresentados, a União poderá indicar três dos dez conselheiros da Eletrobras, número que seria reduzido para dois caso sua participação acionária caia abaixo de 3%.
Um dos pontos mais controversos do acordo diz respeito à inclusão de aspectos relacionados à Usina Nuclear de Angra 3 e à relação entre Eletrobras e Eletronuclear. O documento prevê a suspensão imediata do acordo de investimentos de 2022, rescisão automática caso o Conselho Nacional de Política Energética autorize nova modelagem de outorga, e mediação com o BNDES para estudos de nova modelagem financeira do empreendimento.
O ministro Alexandre de Moraes inaugurou a divergência ao afirmar que esses pontos não têm relação com o objeto original da ação. Para ele, o STF não tem competência para analisar tais acordos em controle concentrado de constitucionalidade. Essa posição encontrou apoio dos ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Edson Fachin, que votaram pela homologação parcial do acordo, validando apenas os aspectos relacionados à governança corporativa da estatal.



