STF invalida reajuste por idade em planos de saúde contratados antes de 2003

Há 2 semanas
Atualizado quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Por Carolina Villela

Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (8) que planos de saúde não podem aplicar reajuste das mensalidades por faixa etária em contratos firmados antes da entrada em vigor do Estatuto do Idoso, promulgado em outubro de 2003. Os ministros negaram o recurso extraordinário (RE) 630852 da Cooperativa de Serviços de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo Ltda. (Unimed) contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que havia considerado abusivo o aumento da mensalidade de uma consumidora assim que ela completou 60 anos.

Com repercussão geral reconhecida, o julgamento estabelece precedente obrigatório para todos os tribunais do país, devendo impactar milhares de ações similares que aguardam definição. A proclamação oficial do resultado, no entanto, só será feita de forma conjunta após a conclusão do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 90, que tramita no plenário virtual e aborda tema semelhante.

Composição do julgamento e placar final

Votaram pela invalidação da cobrança os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, formando maioria ao lado dos ministros aposentados Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que tiveram seus votos anteriores mantidos. Ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli e o aposentado Marco Aurélio, que se posicionaram favoravelmente ao recurso apresentado pela operadora de saúde.

O tema inicialmente estava sendo discutido no plenário virtual, mas foi levado ao plenário físico após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, o que anulou o placar anterior, mantendo apenas os votos dos ministros aposentados.

Ficaram impedidos de participar do julgamento os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Nunes Marques, que assumiram suas cadeiras no Supremo posteriormente ao início da análise do caso. Além disso, o ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito e o ministro Luiz Fux estava impedido.

O caso concreto analisado pelo STF

O caso discutido se refere à contratação de um plano de saúde por uma consumidora em 1999, durante a vigência da Lei dos Planos de Saúde, antes da entrada em vigor do Estatuto do Idoso, promulgado em 2003. O contrato estabelecia claramente sete faixas etárias, cada uma com determinada variação percentual sobre o valor básico da mensalidade.

Em outubro de 2008, ao completar 60 anos, a beneficiária teve sua mensalidade reajustada conforme previsto contratualmente, com o valor saltando de R$ 151 para R$ 226 – um aumento de aproximadamente 50%. Inconformada, ela recorreu ao Poder Judiciário solicitando a aplicação do Estatuto do Idoso ao seu caso, lei que estabelece proteção especial aos idosos e proíbe discriminação por idade, incluindo reajustes baseados exclusivamente nesse critério.

A Justiça gaúcha acolheu o pedido em primeira e segunda instâncias, declarando abusivos os aumentos em função da idade. O TJ-RS fundamentou sua decisão no entendimento de que o idoso é um consumidor duplamente vulnerável, necessitando de “uma tutela diferenciada e reforçada”, conforme estabelece o próprio Estatuto do Idoso e o Código de Defesa do Consumidor.

Argumentos da defesa: segurança jurídica ameaçada

Durante a sustentação oral realizada nesta quarta-feira, o advogado Marco Túlio De Rose, representante da Unimed, argumentou que a decisão do TJ-RS aplicou o Estatuto do Idoso de maneira retroativa, violando princípios constitucionais fundamentais como o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Segundo sua argumentação, o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal estabelece de forma clara que “a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito”, o que impediria a aplicação retroativa da norma de 2003 a contratos firmados anteriormente.

De Rose defendeu que o reajuste por faixa etária, quando previsto expressamente em contrato e autorizado pela regulamentação administrativa vigente à época da contratação, não configura discriminação ilegal, mas apenas reflete o equilíbrio atuarial necessário ao funcionamento sustentável do sistema de saúde suplementar. O advogado citou precedentes do próprio STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceriam a impossibilidade de retroatividade de leis de ordem pública quando isso afeta negativamente contratos já firmados e em execução.

Em sua argumentação, o representante da Unimed alertou que decisões judiciais que vedam completamente a recomposição de valores por idade podem desequilibrar financeiramente todo o setor de saúde suplementar, prejudicando não apenas as operadoras, mas também os próprios beneficiários, tanto jovens quanto idosos. Por fim, solicitou que fosse reconhecida a validade dos reajustes contratuais realizados conforme a legislação anterior ou, subsidiariamente, que o STF aplicasse o entendimento do STJ, que admite a recomposição de valores desde que não seja abusiva ou desproporcional.

ANS e Fenasaúde alertam para riscos ao setor

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio do procurador federal André Rufino do Vale, posicionou-se ao lado das operadoras e defendeu que o Estatuto do Idoso não deveria ser aplicado a contratos de planos de saúde firmados antes de sua vigência, sob pena de romper um sistema normativo sólido e coerente construído ao longo de mais de 20 anos de regulamentação setorial.

Rufino destacou que o setor é regulado desde 1998 por um arcabouço jurídico abrangente baseado na Lei 9.656/98 e em precedentes do próprio STF, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 1.931, que afastou a incidência retroativa da lei dos planos de saúde a contratos anteriores. Segundo o procurador, os contratos firmados antes de 2004 possuem regras e cláusulas próprias, enquanto os posteriores já incorporam automaticamente a proibição de reajuste por faixa etária para beneficiários acima de 60 anos.

Segundo o representante da ANS, a aplicação retroativa do Estatuto do Idoso desorganizaria completamente o equilíbrio regulatório construído nas últimas duas décadas, além de comprometer seriamente a sustentabilidade financeira das operadoras de saúde. A agência reguladora defendeu que atua constantemente para preservar a coerência jurídica do sistema, buscando garantir proteção adequada ao consumidor idoso sem comprometer a viabilidade econômica do setor de saúde suplementar, que atende atualmente cerca de 50 milhões de brasileiros.

Impacto econômico e social da decisão

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), representada pelo advogado José Eduardo Cardozo, também se manifestou durante o julgamento e alertou para os potenciais riscos econômicos e sociais de uma decisão contrária aos interesses das operadoras. Cardozo afirmou categoricamente que o impacto financeiro poderia levar à falência de diversas operadoras de menor porte e pressionar ainda mais o já sobrecarregado Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo os representantes do setor, a proibição generalizada de reajustes etários em contratos antigos estimularia a chamada “seleção adversa”, fenômeno em que beneficiários mais jovens e saudáveis abandonam os planos de saúde em busca de opções mais baratas, enquanto os mais idosos e que demandam mais serviços permanecem no sistema. Esse desequilíbrio, argumentaram, elevaria dramaticamente os custos médios das operadoras e poderia inviabilizar economicamente o modelo de saúde suplementar no Brasil.

Os defensores das operadoras também lembraram que, entre 2015 e 2016, o número de usuários da saúde suplementar já havia caído aos milhões, fenômeno atribuído ao aumento generalizado de preços e à crescente insegurança regulatória no setor. A aplicação retroativa do Estatuto do Idoso, segundo essa visão, apenas agravaria esse cenário negativo, gerando uma onda ainda maior de judicialização e instabilidade no mercado de planos de saúde.

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