Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (24) o julgamento do recurso extraordinário (RE) 1301250, que define parâmetros para a quebra de sigilo de dados de usuários do Google e outros provedores de internet. O caso teve origem na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco, quando a Justiça determinou acesso aos históricos de busca de pessoas não identificadas que pesquisaram sobre a parlamentar e sua agenda antes do crime. O ministro Gilmar Mendes votou para negar o recurso, seguindo divergência aberta por Alexandre de Moraes.
A questão central do julgamento é estabelecer se juízes podem decretar quebra de sigilo de dados de usuários sem identificar previamente os investigados, em situações de busca reversa por palavra-chave. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia mantido a quebra de dados de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas a Marielle Franco, decisão que agora é questionada no STF. O julgamento foi suspenso após o voto de Gilmar Mendes para intervalo regimental, com seis ministros ainda pendentes de votação.
Gilmar Mendes defende critérios rígidos para investigações digitais
O ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista do processo, iniciou seu voto destacando a complexidade do caso, que envolve tanto a definição de parâmetros gerais sobre quebra de sigilo na internet quanto a busca por justiça no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. O decano do Tribunal enfatizou que o tema exige do STF uma “posição desafiadora”, buscando equilíbrio entre proteção de dados pessoais e segurança pública no contexto do constitucionalismo digital.
Gilmar Mendes fez reflexões sobre o papel do STF diante das críticas de “ativismo judicial”. O ministro observou que muitas decisões da Corte são rotuladas dessa forma, embora estejam dentro das competências constitucionais previstas no artigo 102 da Constituição Federal. Reconheceu que essas atribuições podem se sobrepor às funções do Legislativo e Executivo, mas frisou que isso decorre da própria moldura constitucional brasileira.
Para o ministro, cabe ao Supremo atuar como árbitro de conflitos políticos, legitimador de políticas públicas e, principalmente, como guardião dos direitos fundamentais. Ele destacou que a jurisprudência evoluiu de uma postura inicial de autocontenção, que se mostrou ineficaz quando o Legislativo não respondia às demandas sociais.
Tese proposta estabelece requisitos específicos para crimes hediondos
Gilmar Mendes considerou que pode ser temerário aplicar uma tese de repercussão geral para todas as hipóteses de acesso a dados digitalmente armazenados. Para ele, novas medidas de investigação devem levar em consideração os impactos para os direitos fundamentais.
Gilmar Mendes enfatizou que o monitoramento por Geolocalização, por exemplo, pode gerar informações que integram a sua vida privada ou sua intimidade, de modo a gerar risco potencial de vigilância estatal excessiva ou desmedida.
O ministro defendeu que a quebra de sigilo coletiva de dados deve ser restrita a crimes hediondos, argumentando que no caso Marielle Franco havia elementos concretos que indicavam a prática de “crime gravíssimo”. Segundo sua avaliação, não se tratou de “devassa ou atividade especulativa”, mas de investigação fundamentada com utilidade comprovada para o desenvolvimento das apurações.
Em sua proposta de tese, Gilmar Mendes estabeleceu quatro critérios principais: requisitos constitucionais para requisição de dados (indícios fundados, motivação da utilidade e delimitação temporal); autorização para busca reversa apenas em crimes hediondos com pessoas determináveis; precisão nos indexadores de busca com fundamentação proporcional; e uso da medida apenas quando não houver alternativas menos invasivas.
Divergência entre ministros marca posições sobre privacidade digital
O ministro André Mendonça, que votou em abril, entendeu que a quebra de sigilo não pode alcançar grupo indefinido de pessoas, defendendo que a medida só pode ser autorizada com indícios específicos sobre indivíduos determinados, seguindo critérios de proporcionalidade e suspeita fundada.
Essa posição diverge da linha adotada pelos ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin, que consideram a medida constitucional desde que atenda critérios claros e seja devidamente fundamentada. Ambos destacaram que, em investigações complexas, o uso de dados de buscas pode ser ferramenta legítima, respeitados os direitos fundamentais dos usuários de internet.
Ainda faltam votar a ministra Cármen Lúcia e os ministros Nunes Marques, Edson Fachin, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O ministro Flávio Dino não participa do julgamento, pois assumiu a vaga de Rosa Weber, que já havia manifestado seu voto antes de deixar a Corte.



