Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nesta quinta-feira (5) o julgamento que discute os rumos da participação da União na Eletrobras após a privatização da companhia. Com um placar apertado de cinco votos pela homologação integral do acordo e quatro pela homologação parcial, a Corte não chegou aos seis votos necessários para formar maioria em nenhuma das correntes. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7385 foi interrompido e deve ser retomado no dia 11 de dezembro, quando o ministro Luiz Fux apresentará seu voto.
A sessão desta quinta-feira foi marcada por um intenso debate entre os ministros. A divergência central gira em torno da amplitude da homologação: se o STF deve validar integralmente os termos do acordo ou se deve restringir sua análise apenas aos pontos diretamente relacionados à inconstitucionalidade questionada na ação. As negociações entre as partes foram conduzidas pela CCAF – Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal.
Relator defende acordo como solução para governança da empresa
O ministro Nunes Marques, relator da ação, apresentou voto favorável à homologação integral do acordo. Em sua fundamentação, o magistrado ressaltou que buscou uma solução que permitisse estabelecer a governança da empresa de forma clara e definitiva. Para ele, o acordo é admissível e envolveu não apenas a questão do poder de voto da União, mas também outros aspectos do relacionamento do governo federal com a Eletrobras, que decorrem da redução drástica do poder de governança na empresa.
Nunes Marques destacou que, apesar de os termos serem complexos e densos, foram aprovados em comum acordo entre as partes envolvidas. O relator enfatizou que o acordo reafirma seu caráter personalíssimo, ou seja, mesmo que as ações da União sejam administradas por outras entidades públicas, o limite de 10% no poder de voto permanece inalterado conforme a lei.
Segundo os termos do acordo apresentado pelo relator, a União poderá indicar três dos dez conselheiros da Eletrobras, reduzindo-se para dois caso sua participação acionária caia abaixo de 3%. O ministro avaliou que o acordo respeita os limites da indisponibilidade administrativa, não contraria interesses públicos indisponíveis e promove a estabilidade institucional em setor sensível da infraestrutura nacional.
Questão de Angra 3 entra no debate sobre limites do acordo
Um dos pontos que suscitou maior divergência entre os ministros foi a inclusão, no acordo, de aspectos relacionados à Usina Nuclear de Angra 3 e à articulação entre a Eletrobras e a Eletronuclear. O acordo prevê, entre outros pontos, a suspensão imediata do acordo de investimentos celebrado em 2022, rescisão automática caso o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorize nova modelagem de outorga para Angra 3, e a mediação com o BNDES para estudos de uma nova modelagem financeira do empreendimento.
Para o relator, esses pontos demonstram que o acordo enfrenta de forma prática questões complexas da relação entre as duas empresas. No entanto, essa visão foi contestada pelo ministro Alexandre de Moraes, que inaugurou a divergência no julgamento. Moraes afirmou que pontos como a relação de processo de desinvestimento e o projeto da usina nuclear não têm relação com o que foi impugnado na ação original.
Na avaliação de Moraes, o STF, em controle concentrado de constitucionalidade, não tem a mínima possibilidade de analisar se esses acordos visaram ou não o interesse público. Para ele, uma ação originária para definir esses pontos não seria sequer competência do Supremo. O ministro votou pela procedência parcial da ação para conceder interpretação conforme a Constituição apenas ao item do acordo que trata da governança, especificamente sobre a participação da União no capital votante e sua adequação no Conselho de Administração e no Conselho Fiscal.
Ministros se dividem entre homologação total e parcial
A divergência aberta por Alexandre de Moraes encontrou adesão do ministro Flávio Dino, que acompanhou o voto pela homologação parcial por entender que essa posição garantiria maior segurança jurídica ao processo. A ministra Cármen Lúcia e o ministro Edson Fachin também seguiram essa corrente, totalizando quatro votos pela validação restrita do acordo.
Por outro lado, o ministro Cristiano Zanin seguiu o relator para homologar o acordo integralmente, mas apresentou divergência ao também aceitar a ação em partes, como propôs Moraes. Essa posição intermediária gerou um momento de reformulação no julgamento, com o próprio relator Nunes Marques aderindo à proposta de Zanin.
O ministro André Mendonça seguiu a mesma corrente de Zanin, mas apresentou uma ressalva importante: sugeriu que, se o acordo for homologado parcialmente, seria necessário ouvir as partes para saber se têm interesse em manter as medidas negociadas. Após o reajuste promovido pelo relator, Nunes Marques foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, consolidando os cinco votos pela homologação integral.
Contexto da disputa e impacto no mercado
A ADI 7385 questiona aspectos centrais da Lei 14.182/2021, que estabeleceu as regras para a capitalização e privatização da Eletrobras. O ponto mais controverso é justamente a limitação de 10% no poder de voto de qualquer acionista, incluindo a própria União. A Presidência da República recorreu ao Supremo argumentando que essa restrição fere princípios constitucionais fundamentais, como razoabilidade, proporcionalidade e proteção ao patrimônio público.
A questão ganhou novos contornos em abril deste ano, quando as partes envolvidas firmaram o acordo na CCAF. Esse acordo, que agora aguarda homologação do STF, pode representar uma solução negociada para o impasse entre o Executivo e o Legislativo sobre os limites do poder estatal na empresa privatizada. A negociação buscou equilibrar os interesses do governo federal em manter alguma influência na gestão da companhia com as regras estabelecidas pela lei de privatização.



