Por Hylda Cavalcanti
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou a tese de que magistrados de todo o Brasil podem aplicar medidas executivas consideradas “atípicas”, tais como como suspensão de passaporte, de carteira nacional de habilitação (CNH) e bloqueio de cartões em decisões relacionadas a processos de execução. Mas contanto que sejam esgotados os meios tradicionais de execução e observados os principipios do contraditório, proporcionalidade e fundamentação específica.
A tese foi firmada no Tema 1.137, durante julgamento realizado na 2ª Seção do STJ, a partir do voto do relator, ministro Marco Buzzi. Buzzi reconheceu a validade dessas ferramentas e ressaltou que elas expressam o “poder geral de efetivação previsto no Código de Processo Civil (CPC)”.
Sem violação do processo legal
O caso julgado foi referente a processos relacionados a questões semelhantes, que chegaram à Corte superior por meio de dois recursos repetitivos — os Recursos Especiais (REsps) Nº 1.955.539 e Nº 1.955.574.
Em um deles, um banco recorreu contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que barrou a suspensão do passaporte e da carteira de habilitação de um devedor em execução, mas admitiu o bloqueio de cartões de crédito, desde que não relacionados às compras de alimentos.
Os desembargadores do Tribunal estadual consideraram que essas medidas violariam critérios como “proporcionalidade e razoabilidade”, tidos como necessários para o devido processo legal. Para o ministro Marco Buzzi, entretanto, a possibilidade de uso de medidas executivas atípicas previstas no artigo 139, IV, do CPC, devem ser admitidas, desde que aplicadas de forma excepcional.
CPC deu poder de efetivação
Segundo ele explicou, “o CPC conferiu ao Judiciário um poder geral de efetivação que autoriza mecanismos como suspensão de CNH, passaporte ou cartões de crédito, sobretudo diante da crônica inefetividade das execuções”. O ministro enfatizou, no entanto, que essas medidas devem observar requisitos cumulativos, tais como o esgotamento prévio dos meios típicos de cobrança ou resistência injustificada ao cumprimento da obrigação, além de terem fundamentação específica e respeito à proporcionalidade e ao contraditório.
Buzzi frisou que tais atos não violam o direito de locomoção, desde que não impeçam a circulação física do devedor. E destacou que, nos casos concretos, os acórdãos estaduais utilizaram fundamentação abstrata que, na prática, inviabilizaria o próprio instituto previsto no CPC. Diante da impossibilidade de reavaliar provas, o ministro deu parcial provimento ao recurso para cassar o acórdão e determinar que o TJSP julgue novamente o agravo, agora à luz dos parâmetros definidos pelo STJ.
Sem “carta branca”
O relator também fez uma ressalva: de que a posição não oferece uma carta branca para as pretensões do devedor. Ele alertou que, apesar dessas medidas atípicas de coerção estarem disponíveis para o juiz, sua aplicação depende da ponderação, em cada caso, “da necessidade, da proporcionalidade e da razoabilidade”.
“É preciso, em suma, levar em conta a maior efetividade da execução e a menor onerosidade do executado. Em regra, as medidas atípicas vão incidir sobre os devedores contumazes, que se eximem das obrigações por meio de subterfúgios”, afirmou Marco Aurélio Buzzi.
Tese consolidada
Dessa forma, os integrantes da Seção consolidaram, por maioria, a seguinte tese: “Nas execuções civis submetidas exclusivamente ao código de Código de Processo Civil, a adoção judicial de meios executivos atípicas é cabível, desde que, cumulativamente, sejam ponderados os princípios da efetividade e da menor onerosidade do executado, seja realizada de modo prioritariamente subsidiário, a decisão contém a fundamentação adequada às especificidades do caso, sejam observados os princípios do contraditório, da proporcionalidade e da razoabilidade, inclusive quanto à sua vigência temporal.”
Durante o julgamento, fizeram sustentações orais sobre o tema como Amicus curae (expressão que significa amigo da Corte em latim) a advogada Clarice Frechiani Lara Leite, pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual; Anselmo Moreira Gonzalez, pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban); e a advogada Ana Carolina Andrada Arraias Caputo Bastos, pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis.
— Com informações do STJ



