Por Hylda Cavalcanti
Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tende a repercutir bastante nos casos relacionados a medidas protetivas de urgência para mulheres vítimas de violência doméstica no país. Até pouco tempo atrás, um dos problemas enfrentados por delegados e magistrados é que muitas mulheres que faziam queixas ou pediam medidas protetivas contra os companheiros de quem eram vítimas, dias depois tentavam retirar o pedido ou reverter a denúncia, voltando a viver com eles.
Desta vez, o STJ julgou um caso inverso. A vítima de violência doméstica apresentou um recurso contra decisão da Justiça de Goiás que revogou medida protetiva de urgência adotada a seu favor, afirmando que a revogação a deixou desprotegida em relação ao agressor.
É bom lembrar que o último anuário de Segurança Pública revelou que em 2024,o feminicídio atingiu o maior número de casos da série histórica, iniciada em 2015 no país. Foram registrados em 2024, 1.459 mortes por esse tipo de crime no Brasil até janeiro de 2025. Em 2022 e 2023, foram respectivamente, 1.453 e 1.448 as mortes.
E embora não exista um levantamento oficial sobre detalhes de cada uma das vítimas, estima-se que mais de 10% do total foram mortas por agressores que estavam com medidas protetivas ativas.
Vítima tem legitimidade
No caso em questão, a 5ª Turma do STJ decidiu por unanimidade: a vítima de violência doméstica tem, sim, legitimidade para recorrer de decisão que indefere ou revoga medidas protetivas de urgência a seu favor. Dessa forma, os ministros deram ganho de causa para a mulher, destacando que sua legitimidade não pode ser limitada.
Na prática, a Turma mudou decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). A Corte estadual considerou que ela não tinha legitimidade recursal para impugnar a revogação de medidas protetivas de urgência por uma questão processual. Para os desembargadores, mesmo representada pela Defensoria Pública, a vítima não poderia recorrer desse tipo de decisão, por falta de previsão legal específica.
Assistência jurídica qualificada
Mas no recurso apresentado ao STJ, o defensor da mulher alegou que a decisão do TJGO violou os artigos 19, 27 e 28 da Lei Maria da Penha, além dos artigos 271 e 619 do Código de Processo Penal (CPP).
O advogado também afirmou que a assistência jurídica qualificada à vítima não se limita às atribuições da assistência da acusação, podendo abranger também outras medidas, conforme a estratégia adotada pelo defensor e os interesses da ofendida.
Decisão incoerente
Para o relator do processo no STJ, ministro Ribeiro Dantas, “o artigo 19 da Lei Maria da Penha assegura à mulher vítima de violência doméstica a possibilidade de solicitar medidas restritivas contra o agressor”.
Segundo o ministro, “seria incoerente reconhecer a legitimidade processual da vítima para requerer tais medidas e, ao mesmo tempo, negar-lhe a legitimidade para impugnar a decisão que as indefere”.“Restringir o acesso da vítima à instância recursal prejudica a prestação jurisdicional em questão tão sensível e complexa na vida das mulheres, que merecem a máxima efetividade das disposições contidas na Lei Maria da Penha”, frisou.
Medidas independem da tipificação
O magistrado também destacou que o artigo 19 da Lei Maria da Penha estabelece que as medidas protetivas de urgência podem ser concedidas independentemente da tipificação penal da violência, da existência de inquérito, de ação judicial ou mesmo de boletim de ocorrência.
Por essa razão, ele apontou que a legitimidade recursal da vítima não pode ser limitada pela regra do artigo 271 do CPP, que disciplina a atuação do assistente de acusação, já que a situação envolve a defesa de direitos próprios da ofendida.
O artigo 271 do CPP estabelece que o juiz de ofício, deve determinar as intimações em processos pendentes, o que significa que ele não precisa ser provocado pelas partes para promover a comunicação necessária para o andamento do processo, salvo se houver alguma disposição legal em contrário.
Jurisprudência do STJ
Ribeiro Dantas, no entanto, lembrou que a jurisprudência do STJ tem se debruçado sobre o tema da intervenção de terceiros e da legitimidade recursal no processo penal. Especialmente, quanto ao papel do assistente de acusação, adotando interpretação do artigo 271 do CPP a partir de cada caso, para não restringir sua aplicabilidade apenas ao texto literal.
Ele afirmou, ainda, que “a concessão das medidas protetivas não depende da ocorrência de um fato que caracterize ilícito penal, de modo que a vítima não atua propriamente como assistente de acusação, mas sim em nome próprio, na defesa de seus próprios direitos, inclusive de sua integridade física”. Pelo fato de tramitar sob sigilo de Justiça, o número do processo não foi divulgado pelo Tribunal.
— Com informações do STJ