Da Redação
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que casais do mesmo sexo não precisam expor publicamente sua relação para ter reconhecida a união estável. O entendimento considera o direito à privacidade e o receio de preconceito que ainda afeta essas relações, especialmente em cidades do interior. A decisão beneficiou um casal de mulheres que viveu junto por mais de 30 anos em Goiás.
Caso envolveu relacionamento de três décadas mantido em discrição
Duas mulheres conviveram por mais de 30 anos em uma cidade do interior de Goiás, compartilhando vida, projetos e patrimônio até a morte de uma delas, em 2020. Durante todo esse tempo, o casal manteve a relação de forma reservada, sem grande exposição pública.
Após o falecimento, a companheira sobrevivente buscou o reconhecimento judicial da união estável. Porém, o juiz de primeira instância negou o pedido, argumentando que faltava a publicidade da relação – requisito considerado essencial pelo Código Civil.
Tribunal de Goiás reformou decisão inicial
O Tribunal de Justiça de Goiás reformou a sentença, entendendo que era possível flexibilizar a exigência de publicidade diante das provas apresentadas. Havia elementos suficientes para comprovar a união: o casal adquiriu bens em conjunto, reformou a casa onde vivia, recebia visitas de familiares, viajava e frequentava eventos sociais.
Irmãos e sobrinhos da falecida, na condição de herdeiros, recorreram ao STJ alegando que a publicidade seria indispensável. Contudo, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, rejeitou esse argumento.
Dignidade humana deve orientar interpretação do requisito
Para a relatora, quando se trata de relações homoafetivas, o requisito da publicidade deve ser interpretado considerando princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana, a isonomia e a liberdade individual. É preciso garantir a proteção da vida sexual e da intimidade dos conviventes.
Nancy Andrighi explicou que a constituição da união estável depende muito mais da intenção de formar família do que do conhecimento da relação pela sociedade. Os conviventes não são obrigados a expor excessivamente sua vida privada e têm direito à discrição.
Contexto social influencia reconhecimento da união
A ministra destacou que, nas uniões homoafetivas, é comum que as relações sejam omitidas de familiares por medo de julgamentos negativos ou represálias. Esse receio é ainda mais intenso em cidades do interior e em épocas de maior intolerância.
Por isso, segundo a relatora, cada caso deve ser analisado considerando o contexto histórico-cultural e o ambiente social em que o casal vive. “Negar o reconhecimento de união estável homoafetiva em razão da ausência da publicidade do relacionamento, quando evidente a convivência contínua e duradora, como uma verdadeira família, seria invisibilizar uma camada da sociedade já estigmatizada”, afirmou.
Decisão reforça proteção a casais do mesmo sexo
Com esse entendimento, o STJ estabeleceu que a publicidade não pode ser exigida como “excessiva e desmedida exposição social”. O importante é que estejam demonstrados os demais elementos da união estável: convivência contínua, duradoura e com objetivo de constituir família.
A decisão representa um avanço na proteção dos direitos de casais homoafetivos, reconhecendo que muitos vivem suas relações de forma reservada como estratégia de sobrevivência em ambientes hostis ou preconceituosos.



