Uma sinfonia, duas naves espaciais e uma grande orquestra

Há 2 horas
Atualizado sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

A Quinta de Tchaikovsky, a missão Apollo-Soyus na TV e a Osesp fechando a Temporada 2025. Memórias.

Por Jeffis Carvalho

Dez para as oito, anuncia Cid Moreira na tela da TV Panasonic p&b na sala do sobrado em que moro na Vila São Francisco, nos limites entre São Paulo e Osasco. É o ano de 1975 e estamos em julho, precisamente na noite do dia 17. Começa mais uma edição do Jornal Nacional, cuja bancada Cid divide com um jovem Sergio Chapelin. Na escalada do noticiário cabe a Chapelin a chamada de um grande feito alcançado naquela quinta-feira: a primeira parceria espacial tripulada entre americanos e soviéticos, o chamado Projeto de Teste Apollo-Soyuz, que envolve a acoplagem em órbita terrestre de uma espaçonave americana Apollo e uma soviética Soyuz. Estou passando por trás da estante vazada onde está o aparelho, quando ouço a notícia e imediatamente desisto de ir até a cozinha e retorno, me dirigindo para a frente da TV.

O astronauta americano Deke Slayton e o cosmonauta russo Alexei Leonov durante o encontro das naves Apollo e Soyuz.

O astronauta americano Deke Slayton e o cosmonauta russo Alexei Leonov durante o encontro das naves Apollo e Soyuz.

O encontro das naves no Jornal Nacional

Sempre que estou em casa naquele horário, e julho é mês de férias do primeiro ano do colegial que curso à noite, assisto ao JN. E naquele 17 de julho vou presenciar uma grande cena, uma imagem inesquecível que ficará para sempre na minha memória. Principalmente porque ela vem com um trilha sonora que beira o sublime na sua beleza melódica e que embala uma nova e grande conquista. Na “cabeça” da matéria Chapelin informa que americanos e soviéticos, que na última década se dedicam a disputar uma corrida espacial, deram-se as mãos no espaço de forma muito simbólica, com a acoplagem de suas naves Apollo e Soyus. Veja as imagens, diz ele, que foram transmitidas pela TV soviética ao som da Quinta Sinfonia de Tchaikovsky.

A descoberta da Quinta Sinfonia aos 16 anos

Como se tivesse sido sonorizada e dirigida por Stanley Kubrick, o que vejo é mesmo de uma beleza indescritível naquela imagem em preto em branco. A música, como cantou Caetano, penetra pelos sete buracos da minha cabeça. Uma música emocionante, bela, que mescla singeleza e força, lirismo e drama, como é toda conquista humana – artística ou científica, tecnológica e ou cultural. Mais um passo que damos, quem sabe, rumo ao infinito.

Impactado, aos 16 anos, já ouvinte assíduo de sinfonias de Beethoven e Mozart, sei que Tchaikovsky é também o autor do Concerto nº 1 para Piano e Orquestra que conheço da casa da minha tia por meio do primeiro fascículo da coleção  Grandes Compositores da Música Universal, lançada pela Editora Abril em 1968. Agora percebo que ele também compôs sinfonias. E quero, preciso ouvir o mais breve possível a sua Sinfonia nº 5. Ao ouvi-la por inteiro, pouco depois, concluo que a cena emocionante que vi no Jornal Nacional naquele dia teve como trilha o Andante cantabile, con alcuna licenza, o segundo movimento da sinfonia.

Dezembro de 2025: o retorno à Sala São Paulo

Dezembro de 2025. Passados mais de 50 anos, o adolescente, agora um idoso, se prepara para o concerto de encerramento da Temporada 2025 da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. No programa, claro, a Quinta Sinfonia de Tchaikovsky. A sinfonia que ouvi outras vezes naquela mesma Sala São Paulo. E logo vem à memória a sua execução em 2014, no concerto de 60 anos da Osesp. Uma sinfonia tão marcante, sempre propícia para grandes momentos, mas não só. Uma obra emblemática. Como escreve Paulo Sampaio no livreto do programa do concerto deste ano, o segundo movimento “gira em torno do tema apresentado em um memorável solo de trompa. A música mantém o lirismo do início ao fim, exceto pelas duas intervenções da melodia cíclica, que irrompe em fortíssimos repentinos”. Uma definição precisa, também, do porquê os russos a escolheram para aquele momento único de duas naves se acoplando na órbita da terra.

Corta.

2004: uma sinfonia, Um Só Coração

Mais uma vez o Andante cantabile, con alcuna licenza, da Sinfonia nº 5 de Tchaikovsky surge diante de mim na tela da minha TV em cores, na sala do meu apartamento em Higienópolis. Ele embala a abertura da minissérie Um Só Coração, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, principal atração da Globo naquele início de ano. O Andante tem adaptação e arranjo do maestro Roger Henri, um dos mais profícuos autores de trilhas sonoras para a televisão brasileira.

Ao mesclar história real e licenças ficcionais, a minissérie retrata a trajetória de duas figuras emblemáticas da elite paulistana: Yolanda Penteado e Francisco “Ciccillo” Matarazzo, grandes mecenas das artes no Brasil. Acompanhamos esse encontro entre a herdeira da aristocracia cafeeira paulista e o industrial ítalo-brasileiro, passando por seu casamento, tão célebre quanto controverso, até a criação de importantes instituições culturais brasileiras. A trama explora a paixão do casal pela arte moderna, seus esforços para modernizar o cenário cultural brasileiro, os desafios enfrentados em uma sociedade conservadora e os bastidores da criação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e da Bienal de Arte de São Paulo. A história também aborda os conflitos pessoais, as diferenças de temperamento entre os dois e o legado cultural que deixam para o nosso estado e nosso país.

Corta.

Quando memória, música e cultura se entrelaçam

De volta a dezembro de 2025, constato, emocionado, como muitas vezes, ou quase sempre para ser honesto, que nossos pensamentos nos levam de um lado a outro, “não deixando limpo lugar”, como escreveu  Guimarães Rosa. Quando eles envolvem memórias misturadas com sentimentos atuais, nos vemos envolvidos por um novelo que traça uma trama em que cada fio puxa outro. E, de repente, uma história se conecta a outra e só nos cabe dar a elas o necessário e merecido sentido.

O novelo que me traz até aqui me dá a oportunidade de perceber o quanto o acaso faz parte da vida, mesmo nos momentos que dependem da escrita, do texto para produzir esse sempre tão desejado significado. Na Sala São Paulo ouço a Quinta de Tchaikovsky, me vem à lembrança as naves espaciais na tela do Jornal Nacional e, também como jornalista, procuro pontas e mais pontas de uma história que me traz, então, ao lindo drama de Um Só Coração e sei que muitas vezes vi Maria Adelaide Amaral sentada naquela plateia, a autora que costurou a forte trajetória de dois patronos da cultura paulista e paulistana. E aí entendo que , no fundo, quase tudo só acontece para que a gente possa realmente produzir um sentido.

Assim, no encerramento da Temporada 2025 da Osesp, percebo que a sinfonia, as naves no espaço, a minissérie e as minhas lembranças são, sim, uma forma de homenagem. Um tributo a uma conquista diária, semanal, mensal e anual que a melhor orquestra da América Latina obtém junto às Yolandas e Ciccillos de agora: os seus patronos e apoiadores que honram a definição do que é e deve ser uma elite.

O concerto de encerramento da Temporada 2025 da Osesp pode ser visto na transmissão ao vivo neste sábado, 20 de dezembro, às 16h30, no Concerto Digital, no canal Osesp no YouTube. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo inicia o programa com o prólogo da ópera Jupyra, do brasileiro Francisco Braga. Em seguida, o último convidado do ano, o violinista Augustin Hadelich, no Concerto para violino nº 1 de Max Bruch, obra mais conhecida do prolífico compositor e peça central do repertório dos violinistas, por sua virtuosidade e invenção melódica. Por fim, a Sinfonia nº 5 de Piotr Ilitch Tchaikovsky “fecha o ciclo dedicado ao compositor russo e propõe ao público uma reflexão sobre o destino”.

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