Da Redação
A tensão que marca há décadas a disputa por terras no sul da Bahia ganhou novos contornos neste mês, com a mobilização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para mediar os conflitos que envolvem comunidades indígenas, produtores rurais e o poder público. A Comissão Nacional de Soluções Fundiárias do CNJ prepara uma visita técnica à região para o início de novembro, com o objetivo de conhecer de perto a realidade dos povos Pataxó e Tupinambá e construir caminhos para a pacificação.
A iniciativa responde a um cenário de escalada de violência e insegurança jurídica. O coordenador da comissão, conselheiro José Rotondano, decidiu criar um grupo de trabalho (GT) voltado à condução de uma mesa de diálogo que reunirá órgãos estatais, agricultores e lideranças indígenas. A decisão veio após relatos do juiz federal Pablo Baldivies, titular da Subseção Judiciária de Eunápolis, e pedido da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb).
Escuta ativa como primeiro passo
Na manhã de ontem, 27, representantes indígenas da região estiveram em Brasília para uma reunião com o coordenador da comissão. O encontro serviu para que as lideranças relatassem os desafios enfrentados pelas comunidades e preparasse o terreno para a visita programada para 5 de novembro, que percorrerá aldeias próximas ao Parque Nacional do Monte Pascoal e o município de Itamaraju.
“Essa reunião nos permite compreender melhor o cenário que encontraremos in loco. A expectativa é que possamos contribuir para a redução dos conflitos e promover um ambiente de diálogo entre os diversos atores envolvidos”, afirmou Rotondano.
O conselheiro anunciou que o CNJ pretende convocar representantes dos governos federal e estadual, além de outras instituições, para compor uma mesa de negociação em busca de soluções consensuais. A coordenação dos trabalhos ficará a cargo do desembargador Fernando Prazeres, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), também integrante da comissão nacional.
“Viemos pedir apoio”, diz liderança ameaçada
Durante a reunião, o cacique Mãdy Pataxó, que figura entre as lideranças ameaçadas de morte na região, denunciou a morosidade dos processos de demarcação e a vulnerabilidade crescente das comunidades. Ele criticou decisões judiciais que têm determinado reintegrações de posse e interditos proibitórios sem considerar a complexidade histórica e social da questão.
“Viemos pedir apoio ao CNJ para que dialogue com os magistrados locais, que têm expedido decisões com reintegrações de posse e interditos proibitórios sem conhecer a complexidade da questão”, afirmou Mãdy, que depositou esperança na visita técnica prevista para as imediações do Monte Pascoal.
A Bahia é o terceiro estado brasileiro com maior população indígena, totalizando cerca de 230 mil pessoas, atrás apenas do Amazonas, que concentra aproximadamente meio milhão de indígenas.
Mediação sem interferência
O conselheiro Rotondano deixou claro que o CNJ não pretende interferir nas decisões judiciais, respeitando a independência funcional dos magistrados. O foco da atuação, segundo ele, está na criação de espaços de escuta e mediação.
“É preciso que todos os envolvidos se sentem à mesa. Estamos diante de um problema histórico que gera insegurança jurídica e afeta profundamente as comunidades e o Estado brasileiro”, destacou.
O grupo de trabalho deverá mapear as demandas judiciais relacionadas aos conflitos fundiários na região e propor estratégias de articulação entre o Judiciário e os órgãos do Executivo, tanto em âmbito local quanto nacional. A expectativa é que a visita de 5 de novembro marque o início de um processo de diálogo capaz de enfrentar um conflito que se arrasta há gerações e afeta milhares de pessoas.
Com informações do CNJ


