Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal retomou nesta quinta-feira (22), o julgamento das duas ações (ADIs 4245 e 7686) que discutem pontos da Convenção da Haia, referentes à repatriação imediata de crianças e adolescentes ao exterior, em casos de indícios de violência contra a mãe. Até o momento, seis ministros votaram para ampliar as exceções ao retorno de menores aos países de origem nesses casos.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Dias Tóffoli, Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques, todos entendendo que a violência doméstica contra a genitora deve ser considerada fator de risco também para a criança.
O ministro Alexandre de Moraes apresenta o voto neste momento.
Questão de gênero
Ao acompanhar o relator, o ministro Dias Tóffoli defendeu que, nos casos de suspeitas de violência doméstica contra a mãe no país de residência habitual da criança, já configuram risco suficiente para impedir a repatriação do menor, dispensando a necessidade de provas mais robustas. A proposta inclui considerar a perspectiva de gênero e dar “peso diferenciado à palavra da mulher”, reconhecendo as dificuldades específicas enfrentadas pelas vítimas de violência doméstica em países estrangeiros.
Tóffoli também determinou que a presidência da República e o ministério das Relações Exteriores estabeleçam, no prazo de seis meses, protocolo de atendimento, processamento e recebimento de denúncia de violência de gênero contra brasileiras no exterior; O ministério da Justiça deve levar em consideração o melhor interesse da criança evitando a revitimização e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve atualizar a Resolução 449 de 2022.
Dino e Zanin reforçam proteção processual
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator, mas sugeriu ajustes para garantir que o retorno imediato não exclua o contraditório e a ampla defesa. Dino enfatizou que o juiz deve analisar as exceções previstas na Convenção, reforçando as garantias processuais.
Dino também propôs mudança na atuação da Advocacia-Geral da União (AGU), argumentando que a repatriação de menores constitui litígio privado. Segundo o ministro, a AGU não deve atuar como parte nessas ações, limitando-se aos casos específicos previstos em lei.
O ministro Cristiano Zanin seguiu a mesma linha, propondo que seja incluída na tese a possibilidade da Justiça brasileira decidir o mérito do direito de guarda quando reconhecida uma das hipóteses de exceção. Zanin defendeu ainda a criação de parâmetros para orientar juízes e a edição pelo Congresso Nacional de lei específica sobre o rito de cumprimento da repatriação.
Mendonça destaca impacto da violência na criança
André Mendonça afirmou que “a violência contra uma mãe, ela também é por si só contra a criança”, reforçando o entendimento de que agressões contra a genitora afetam diretamente o menor.
Apesar de ressaltar que a atuação da Advocacia-Geral da União nesses casos é histórica, ele defendeu que a AGU deve reavaliar a representação quando verificados elementos de violência contra a criança ou mulher.
“Havendo elementos de violência contra a criança ou contra a mulher, entendo que a AGU não teria mais o dever de fazer essa representação”, declarou.
Mudanças estruturais no sistema judiciário
O ministro Luís Roberto Barroso(relator) propôs a criação pelo CNJ de grupo de trabalho especializado com prazo de 60 dias para elaborar resolução que agilize os processos, além da edição de atos normativos pelos Tribunais Regionais Federais para concentrar a competência em varas especializadas da capital e turmas específicas.
A proposta prevê ainda a instituição de núcleos de apoio especializado para incentivar a conciliação e práticas restaurativas e ajuste no sistema de processos eletrônicos para que casos relacionados à Convenção da Haia recebam selo de tramitação preferencial, garantindo que a decisão final sobre o retorno seja tomada em prazo não superior a um ano.
Convenção da Haia sob nova interpretação
A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, ratificada pelo Brasil, estabelece mecanismos para o retorno de menores levados ilegalmente de seus países de residência habitual. No entanto, as ADIs questionam interpretações que podem colocar crianças em risco.
A ADI 4245, apresentada pelos Democratas (atual União Brasil), contesta os decretos que ratificaram a adesão brasileira ao tratado, alegando interpretações equivocadas dos procedimentos de retorno. Já a ADI 7686, do PSOL, busca garantir que crianças não sejam obrigadas a retornar ao exterior quando houver suspeita de violência doméstica, mesmo sendo vítimas indiretas.
Discriminação militar em pauta
Outro destaque da sessão é o Recurso Extraordinário (RE) 1530083, com repercussão geral reconhecida, que questiona regra do Estatuto dos Militares proibindo o acesso de pessoas casadas, em união estável ou com dependentes a cursos de formação militar em regime de internato. O ministro Luiz Fux é o relator do processo.
O caso foi protocolado por Matheus Felipe Batista do Nascimento contra a União e discute se essa exigência viola princípios constitucionais como isonomia, dignidade da pessoa humana e proibição de discriminação por estado civil. A decisão deverá ser aplicada a casos similares em todo o país.
Autonomia da Polícia Civil em discussão
A pauta inclui ainda a (ADI) 5622, que analisa lei do Piauí sobre autonomia administrativa e financeira da Polícia Civil. A norma questionada equipara delegados à carreira jurídica do Poder Executivo, concedendo isonomia com magistratura e Ministério Público.
O julgamento deve ser retomado com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que pediu vista para análise mais detalhada. A questão central gira em torno do equilíbrio entre autonomia policial e controle administrativo do Poder Executivo.
Conflitos federativos e regulamentação profissional
Entre os demais processos, destaca-se a (ADI) 5982, na qual Santa Catarina questiona a atuação do Ministério Público Federal nas ações do Instituto do Meio Ambiente estadual. O Estado alega interferência excessiva do MPF em questões ambientais locais.
A (ADI) 7196 completa a pauta, questionando mudanças na regulamentação da profissão de tradutor e intérprete público. A Federação Nacional dos Tradutores contesta alterações promovidas pela Lei 14.195/2021 e pela Medida Provisória 1.040/2021. Ambos os casos também aguardam votos em retorno de vista.