Da Redação
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no dia 16 de dezembro cinco dos seis réus do Núcleo 2 da tentativa de golpe de Estado. As penas variam de 8 anos e 6 meses a 26 anos e 6 meses de prisão. Entre os condenados estão militares de alta patente, ex-assessores da Presidência e uma ex-diretora da Polícia Federal. O delegado Fernando de Souza Oliveira foi absolvido por falta de provas.
A decisão veio após julgamento da Ação Penal 2693, em que os ministros seguiram integralmente o voto do relator, Alexandre de Moraes. Os réus foram acusados pela Procuradoria-Geral da República de elaborar a minuta do golpe, articular a Polícia Rodoviária Federal para dificultar votos no Nordeste e planejar a operação Punhal Verde Amarelo.
Filipe Garcia Martins Pereira, Marcelo Costa Câmara, Mário Fernandes e Silvinei Vasques foram condenados por todos os crimes da denúncia: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A delegada Marília Ferreira de Alencar foi condenada apenas por organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O delegado Fernando de Souza Oliveira foi o único absolvido entre os seis réus do núcleo.
Penas severas e regime fechado
O general Mário Fernandes recebeu a condenação mais severa: 26 anos e 6 meses de prisão em regime inicial fechado, além de 120 dias-multa no valor de um salário mínimo cada. Silvinei Vasques foi condenado a 24 anos e 6 meses de reclusão, também com 120 dias-multa.
Marcelo Câmara e Filipe Garcia receberam, cada um, penas de 21 anos de prisão e mais 120 dias-multa. A delegada Marília Alencar foi sentenciada a 8 anos e 6 meses de reclusão e 4 dias-multa por ter sido condenada apenas por dois crimes.
Além das penas privativas de liberdade, todos os condenados foram obrigados a pagar, solidariamente, indenização de 30 milhões de reais. A Primeira Turma também determinou a inelegibilidade dos réus, com efeitos políticos suspensos enquanto durarem as consequências da condenação criminal transitada em julgado.
Perda de cargos e patentes militares
Marília Alencar e Silvinei Vasques foram condenados à perda dos cargos públicos, inclusive após a aposentadoria. O tribunal determinou ainda que o Superior Tribunal Militar seja oficiado sobre a decisão para adotar providências quanto à perda das patentes de Marcelo Câmara e Mário Fernandes.
Voto do relator Alexandre de Moraes
Antes de analisar as condutas individuais, o ministro Alexandre de Moraes rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas. Segundo o relator, as alegações já haviam sido examinadas no recebimento da denúncia e também no julgamento da Ação Penal 2668, relativa ao Núcleo 1.
Foram afastadas teses de impedimento, suspeição e parcialidade de ministros, bem como questionamentos sobre a competência do tribunal e da Primeira Turma para julgar o caso. Moraes também rejeitou nulidades relacionadas à colaboração premiada e à utilização de documentos considerados ilícitos pelas defesas.
Para Moraes, a participação de Mário Fernandes está amplamente comprovada a partir de sua presença na reunião ministerial de 5 de julho de 2022, convocada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Nessa reunião, Fernandes manifestou-se de forma explícita contra a Justiça Eleitoral.
O relator considerou ainda demonstrado que o militar pretendia que o golpe ocorresse antes das eleições e defendeu abertamente sua antecipação. Moraes avaliou que Fernandes teve participação gravíssima de comando no monitoramento de autoridades, com função relevante na estrutura da organização.
Utilização indevida da Polícia Rodoviária Federal
Na avaliação do ministro, ficou comprovado que Marília e Silvinei atuaram de forma livre e consciente na utilização indevida da estrutura da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal para interferir no resultado das eleições.
O desvirtuamento da estrutura do Estado ficou evidente na produção e no envio de boletins de inteligência da Polícia Federal à Polícia Rodoviária Federal, a fim de subsidiar operações para dificultar o acesso às urnas de eleitores que tenderiam a votar no então candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
Moraes rejeitou a alegação das defesas de que as operações foram realizadas para combater o crime organizado e a compra de votos, uma vez que essa não é função da Polícia Rodoviária Federal. Para o relator, não há dúvida de que Marília comandou os boletins de inteligência e a formatação da operação.
Plano Punhal Verde Amarelo e minuta golpista
O relator avaliou que não há dúvida da participação de Mário Fernandes e Marcelo Costa Câmara no Plano Punhal Verde Amarelo e na Operação Copa 22. Segundo ele, o objetivo era manter o grupo no poder à força, nem que para isso fosse necessário matar autoridades.
Entre os pontos destacados pelo ministro estão a impressão de cópias do Plano Punhal Verde Amarelo no Palácio do Planalto e a intensificação das ações de monitoramento de autoridades públicas com a finalidade de assassiná-las. Essas ações eram denominadas de neutralização pelos envolvidos.
Moraes observou que a atuação de Marcelo Costa não se resume à coleta de dados, já que ele reuniu informações sensíveis e estratégicas para contribuir com a execução do plano de ruptura constitucional.
Segundo Moraes, a instrução processual demonstrou que Filipe Garcia efetivamente integrou a organização criminosa e participou de reunião no Palácio do Alvorada para redigir a minuta golpista. As provas apontam que Jair Bolsonaro confiava em Garcia e buscava seu assessoramento além dos assuntos da assessoria internacional.
Absolvição por dúvida razoável
Em relação ao delegado Fernando Oliveira, o relator entendeu que há dúvida razoável sobre sua participação nos fatos delituosos. Moraes lembrou que, segundo testemunhas, ele não teve nenhum contato com os boletins de inteligência, não solicitou esses documentos nem recebeu boletins para análise.
Embora existam conversas entre ele e Marília Ferreira de Alencar que poderiam indicar sua ciência dos fatos, os demais elementos reforçam a existência de dúvida razoável. Diante disso, Moraes afastou a responsabilidade de Fernando Oliveira em seu voto.
O ministro assinalou que, na época dos fatos, Oliveira ainda não havia sido formalmente nomeado para o cargo de secretário-adjunto de Segurança Pública do Distrito Federal, o que fragiliza a imputação de responsabilidade pelos eventos do dia 8 de janeiro.
Argumentos dos ministros
O ministro Cristiano Zanin foi o primeiro a votar após o relator e o acompanhou integralmente. Zanin rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas e destacou que os elementos de prova confirmam a existência de uma organização criminosa. Segundo Zanin, o conjunto probatório demonstrou a adesão dolosa e a atuação consciente de cada réu no planejamento e na execução da trama golpista. O ministro votou pela condenação de Marília Alencar por atuar para interferir no resultado das eleições de 2022.
A ministra Cármen Lúcia afirmou que as provas colhidas eram suficientes para a condenação de cinco integrantes do Núcleo 2, mas inconclusivas em relação a Fernando Oliveira. A ministra destacou a necessidade de verificar o enquadramento dos fatos já comprovados e de amplo conhecimento. “O que nos compete é verificar o enquadramento desses fatos, que já foram comprovados e são de amplo conhecimento: o que ocorreu, como ocorreu, como foi planejado e executado até se chegar ao 8 de janeiro”, afirmou Cármen Lúcia durante seu voto.
O presidente do colegiado, ministro Flávio Dino, seguiu o entendimento do relator e afirmou que os elementos reunidos nos autos formam um robusto conjunto probatório que permite a reconstituição de uma página muito singular da vida brasileira.
Dino ressaltou que o julgamento criminal exige que o magistrado esterilize ao máximo a sua subjetividade, para que a decisão não seja baseada apenas em punição. O ministro destacou ainda a elevada complexidade dos julgamentos das quatro ações contra os réus por tentativa de golpe de Estado.Marco importante no julgamento
A condenação representa um marco importante no julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado. O Núcleo 2 era responsável pela parte operacional e estratégica do plano golpista, incluindo a elaboração de documentos jurídicos que embasariam a ruptura institucional.
O grupo também foi responsável pelo planejamento de ações violentas contra autoridades dos três poderes. A Primeira Turma já havia condenado 24 réus em outros núcleos da trama golpista, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro no Núcleo 1.
Durante a instrução processual, o relator afastou alegações de violação da cadeia de custódia das provas digitais e de cerceamento de defesa. Moraes ressaltou que réus investigados em ações conexas não têm compromisso legal de dizer a verdade, rebatendo argumentos defensivos sobre eventuais contradições em depoimentos.


