Nos casos de rescisão do contrato de compra e venda de imóvel celebrado após a entrada em vigor da Lei do Distrato (Lei 13.786/2018), é possível descontar da quantia a ser restituída ao comprador desistente a taxa de ocupação ou fruição, mesmo na hipótese de lotes não edificados, além do valor da cláusula penal.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que concluiu pela possibilidade de retenção do valor pago pelo comprador de um lote que desistiu do negócio. No caso, não sobrou nada a ser devolvido após a dedução dos encargos de rescisão previstos legal e contratualmente.
Multa contratual e taxa de ocupação
Segundo o processo, o contrato foi assinado em 2021, no valor de R$ 111.042,00. Após pagar R$ 6.549,10, o comprador pediu a dissolução do negócio. A vendedora aplicou a multa contratual e a taxa de ocupação pelo tempo em que o imóvel esteve com o comprador, mas este ajuizou ação questionando as deduções.
Tanto o juízo de primeiro grau quanto o TJSP entenderam que as retenções foram feitas dentro dos parâmetros legais e que o comprador foi informado previamente a respeito das consequências da desistência.
Lei do Distrato
A relatora do processo no STJ, ministra Isabel Gallotti, explicou que, no caso, aplica-se a Lei do Distrato – editada em 2018, antes da assinatura do contrato no ano de 2021 –, a qual prevê cláusulas penais na hipótese de desistência por parte dos compradores de lotes. Anteriormente a essa lei – ressaltou –, não havia tal previsão, porque a Lei 6.766/1979 considerava esse tipo de negócio irretratável.
A ministra lembrou que a proibição de desistir do negócio foi sendo mitigada pela jurisprudência do STJ, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente quando demonstrada a incapacidade do comprador de continuar honrando as prestações.
Parcelamento do solo
Segundo a relatora, nessas situações anteriores à vigência da Lei 13.786/2018, a 2ª Seção do tribunal estabeleceu o percentual de 25% dos valores pagos para a compensação dos prejuízos do incorporador, se não houvesse peculiaridade que, no caso específico, justificasse percentual diferente.
Com a edição da Lei 13.786/2018 – prosseguiu a relatora –, passou a ser previsto o direito de distrato, por meio da inclusão do artigo 26-A na Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Este artigo estabelece a cláusula penal de 10% do valor atualizado do contrato de aquisição do lote para os casos de rescisão.
Direito de retenção
No recurso em análise, Gallotti verificou que a cláusula contratual estava dentro dos parâmetros da lei, tendo sido correta a retenção do valor. Ela observou também que não está sendo cobrada pela vendedora diferença alguma em seu favor. Ela apenas alega, em sua defesa, o direito de retenção a esse título dos valores a serem devolvidos ao consumidor desistente.
Já em relação à taxa de fruição no caso de lote não edificado, a relatora lembrou que a jurisprudência do STJ não autorizava a sua cobrança antes da Lei 13.786/2018, devido à falta de previsão legal para sua incidência sem a efetiva utilização do bem pelo comprador
Sem ofensa ao CDC
A magistrada também afirmou que a Lei do Distrato passou a prever expressamente, no inciso I do artigo 32-A, que, além da cláusula penal, é permitida a retenção de “valores correspondentes à eventual fruição do imóvel, até o equivalente a 0,75% sobre o valor atualizado do contrato”.
Por isso, para a relatora, o entendimento anterior do tribunal não pode mais prevalecer para os contratos celebrados após a edição da Lei do Distrato, que prevê a retenção desse valor em qualquer hipótese – com ou sem edificação no lote.
“Não se verifica ofensa ao artigo 53 do CDC, pois não há previsão de cláusula contratual que estabeleça a perda total das prestações pagas em benefício do loteador”, ressaltou no seu relatório/voto.
“Na verdade, o contrato expressamente previu a devolução das quantias pagas com descontos permitidos na lei em vigor quando de sua celebração. Se nada há a ser restituído ao adquirente é porque ele pagou quantia muito pequena, que não é capaz de quitar sequer a cláusula penal e a taxa de fruição contratualmente fixadas dentro dos limites da lei”, acrescentou a ministra Isabel Gallotti. O processo julgado foi o Recurso Especial (REsp) Nº 2.104.086.
— Com informações do STJ