Por Carolina Villela
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou sem eficácia, em todo o território brasileiro, uma liminar concedida pela Justiça inglesa em março de 2025. A decisão estrangeira determinava que o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) desistisse de uma ação no STF que pedia a suspensão dos contratos firmados entre escritórios ingleses e municípios brasileiros para representação em tribunais estrangeiros.
Dino enfatizou que, segundo a Constituição Federal, decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante homologação ou por meio de mecanismos de cooperação judiciária internacional, conforme estabelecem os artigos 105, I, “i”, da Constituição Federal, e 26 e 27 do Código de Processo Civil.
A medida possui efeito erga omnes (válida para todos) e caráter vinculante que “incidem sobre a controvérsia retratada nestes autos e em todas as demais em que jurisdição estrangeira – ou outro órgão de Estado estrangeiro – pretenda impor, no território nacional, atos unilaterais por sobre a autoridade dos órgãos de soberania do Brasil”. Segundo Dino, o esclarecimento “visa afastar graves e atuais ameaças à segurança jurídica em território pátrio”.
Proteção da soberania nacional em contexto internacional complexo
O ministro destacou que o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam impor pensamentos a serem apenas “ratificados” pelos órgãos que exercem a soberania nacional e que no período de pouco mais de um ano, o cenário internacional se alterou, “com o fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas Nações sobre outras. Com isso, na prática, têm sido agredidos postulados essenciais do Direito Internacional”.
Segundo Dino, instituições do multilateralismo têm sido absolutamente ignoradas, tratados internacionais são desrespeitados abertamente – inclusive aqueles que versam sobre proteção de populações civis em conflitos armados – e diferentes tipos de protecionismos e neocolonialismos são utilizados contra povos mais frágeis, sem diálogos bilaterais adequados ou submissão a instâncias supranacionais.
O ministro foi categórico ao declarar que leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a pessoas naturais por atos em território brasileiro, relações jurídicas celebradas no país, bens aqui situados ou empresas que atuem no Brasil.
Limitações e exceções às normas estrangeiras
Flávio Dino estabeleceu que qualquer entendimento diferente sobre a aplicação de normas estrangeiras depende de previsão expressa em normas integrantes do Direito Interno brasileiro e/ou de decisão da autoridade judiciária brasileira competente. O ministro citou o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que dispõe: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”
Pra o ministro, “decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante a devida homologação, ou observância dos mecanismos de cooperação judiciária internacional” e ainda que “leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a pessoas naturais, relações jurídicas, bens aqui situados, depositados, guardados, e empresas que aqui atuem”.
Flávi Dino estabelece que qualquer violação a esses comandos constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, presumindo-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanadas de país estrangeiro. Esta presunção só pode ser afastada mediante deliberação expressa do STF, em sede de Reclamação Constitucional oferecida por algum prejudicado, ou outra ação judicial cabível, ressalvada a hipótese de homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias, pelo STJ.
Além disso, Estados e Municípios brasileiros estão, à partir de agora, impedidos de propor novas demandas perante tribunais estrangeiros, em respeito à soberania nacional e às competências atribuídas ao Poder Judiciário brasileiro pela Constituição.
Origem da controvérsia e contratos de risco
A decisão foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1178, apresentada ao STF pelo IBRAM em 11 de junho de 2024. A ação questiona a possibilidade de Municípios brasileiros apresentarem processos judiciais no exterior, prática que tem se tornado cada vez mais comum em casos envolvendo reparações ambientais e outras questões.
Em 12 de outubro de 2024, o ministro Flávio Dino, relator da ação, havia determinado que Municípios com ações judiciais no exterior apresentassem os contratos firmados com escritórios de advocacia para representá-los nessas ações. A liminar também impedia que esses Municípios pagassem honorários de contratos de risco (“honorários de êxito” ou “taxa de sucesso”) nas ações perante tribunais estrangeiros sem que a Justiça brasileira, principalmente o STF, examinasse previamente a legalidade desses atos.
Implicações para o sistema financeiro nacional
Reconhecendo os riscos de operações, transações e imposições indevidas envolvendo o Sistema Financeiro Nacional, Dino determinou a ciência do Banco Central, da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).
A decisão estabelece que transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior ou oriundas do exterior por determinação de Estado estrangeiro, em desacordo com os postulados da decisão, dependem de expressa autorização do STF, no âmbito da presente ADPF.
Como exemplo da consequência prática da decisão, o ministro ressaltou que qualquer cidadão brasileiro que se sentir prejudicado por imposição derivada de lei, sentença ou ato de Estado estrangeiro em território nacional pode acionar diretamente ao STF ou a outro órgão do Poder Judiciário do Brasil.
Próximos passos e audiência pública
Para aprofundar a discussão sobre o tema, o ministro Flávio Dino convocou uma audiência pública. O cronograma e demais especificações do debate, que será presidido pelo relator e coordenada pela juíza Amanda Thomé, serão divulgados oportunamente em despacho complementar.