Da Redação
O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, determinou nesta quarta-feira (3) a suspensão de diversos artigos da Lei de Impeachment que tratam do afastamento de ministros da Corte, por considerá-los incompatíveis com a Constituição de 1988.
A decisão foi proferida nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 1.259 e 1.260, apresentadas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) respectivamente. O julgamento ainda será submetido ao Plenário do STF.
Entre os principais pontos suspensos está o quórum de maioria simples para abertura de processo de impeachment contra ministros. Gilmar Mendes determinou que seja necessária maioria qualificada de dois terços dos senadores.
Apenas PGR pode apresentar denúncia
A decisão também estabeleceu que somente o Procurador-Geral da República tem legitimidade para apresentar denúncia contra ministros do STF por crime de responsabilidade. Atualmente, a lei permite que qualquer cidadão faça isso.
O ministro argumentou que a amplitude atual estimula denúncias motivadas por interesses político-partidários, sem rigor técnico. “O Chefe do Ministério Público da União possui capacidade para avaliar a existência de elementos concretos que justifiquem o início de um procedimento de impeachment”, afirmou.
Outro ponto crucial foi o afastamento automático. Gilmar suspendeu os artigos que preveem o afastamento imediato do ministro após o recebimento da denúncia, com redução de um terço dos vencimentos.
Decisões judiciais não podem motivar impeachment
O relator destacou que não é possível instaurar processo de impeachment baseado apenas no mérito das decisões judiciais. Isso configuraria “criminalização da interpretação jurídica”, prática inadmissível segundo jurisprudência consolidada do STF.
“Não se mostra possível instaurar processo de impeachment contra membros do Poder Judiciário com base no estrito mérito de suas decisões”, escreveu Gilmar Mendes na decisão.
O ministro citou precedentes históricos, incluindo sustentação de Rui Barbosa sobre os chamados “crimes de hermenêutica”. Para Barbosa, responsabilizar juízes por interpretações jurídicas transformaria “a toga na mais humilde das profissões servis”.
Proteção à independência judicial
Gilmar Mendes enfatizou que as garantias constitucionais da magistratura, como vitaliciedade e inamovibilidade, são fundamentais para assegurar a independência do Poder Judiciário.
O decano alertou para o risco do “constitucionalismo abusivo”, quando o impeachment é usado como ferramenta de intimidação institucional. Citou exemplos internacionais, como a Venezuela sob Hugo Chávez, onde a facilitação do impeachment serviu para controlar politicamente o Judiciário.
A decisão estabelece que o quórum de dois terços protege a imparcialidade judicial e é coerente com o desenho constitucional do processo de impeachment. Diferentemente do presidente da República, que tem fase prévia na Câmara, ministros do STF não contam com esse filtro adicional.
Contexto histórico e jurisprudência internacional
O ministro fez extenso retrospecto histórico sobre o instituto do impeachment, desde suas origens no século XIV na Inglaterra até a Constituição americana de 1787, que influenciou o modelo brasileiro.
Citou também decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso de Honduras, que estabeleceu parâmetros contra a destituição de juízes motivada por desacordo político com suas decisões.
A medida cautelar terá validade imediata até o julgamento definitivo pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.



