A delação premiada — ou colaboração premiada, nos termos da Lei nº 12.850/2013 — tornou-se uma ferramenta central na persecução penal de organizações criminosas no Brasil, especialmente após a Operação Lava Jato. Mas o que ocorre quando o delator mente em seu depoimento judicial? Quais os efeitos jurídicos dessa falsidade para o próprio delator e para a validade das provas produzidas com base em sua colaboração?
Quebra do acordo e perda dos benefícios
Segundo a legislação brasileira, o colaborador que faltar com a verdade pode perder todos os benefícios acordados. O artigo 4º, §10, da Lei nº 12.850/2013 estabelece claramente que: “O descumprimento do acordo de colaboração por parte do colaborador importará na perda dos benefícios pactuados, podendo as informações prestadas ser utilizadas para investigação ou processo, respeitados os direitos do colaborador.”
Na prática, isso significa que, se o colaborador mentir intencionalmente durante seus depoimentos ou nas oitivas perante o juízo, o Ministério Público pode solicitar a rescisão do acordo, que será analisada pelo juiz. Caso o pedido seja aceito, o delator volta a responder normalmente pelos crimes confessados, sem os benefícios penais anteriormente negociados, tais como redução de pena, substituição por penas restritivas de direitos ou perdão judicial.
Além disso, o colaborador poderá ser responsabilizado criminalmente por falso testemunho, conforme o artigo 342 do Código Penal, cuja pena pode chegar a quatro anos de reclusão, além de multa.
E as provas obtidas com base na delação?
Uma dúvida comum quando um acordo de colaboração é rescindido diz respeito ao destino das provas obtidas com base nos depoimentos do delator. Segundo entendimento consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nem todas as provas são automaticamente anuladas.
A jurisprudência estabelece que, caso durante a investigação tenham sido produzidas provas independentes, tais como documentos, escutas telefônicas, registros bancários ou depoimentos de outras testemunhas, elas poderão permanecer válidas, desde que tenham sido obtidas de forma legal e não dependam exclusivamente das declarações do colaborador.
Por outro lado, se a falsidade for essencial para a produção de provas — por exemplo, no caso de um mandado de busca expedido exclusivamente com base em uma acusação falsa —, essas provas poderão ser consideradas imprestáveis judicialmente, a depender da avaliação específica do juiz.
Jurisprudência: acordos rescindidos
Casos concretos de rescisão de acordos por mentira em juízo já chegaram às cortes superiores. Em 2021, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a rescisão do acordo de colaboração premiada do ex-deputado Pedro Corrêa, que havia sido firmado com a Procuradoria-Geral da República. A decisão se baseou no descumprimento de cláusulas, incluindo supostas omissões e contradições em seus depoimentos.
Outro exemplo ocorreu com o empresário Léo Pinheiro, da OAS. Em 2018, seu acordo chegou a ser suspenso temporariamente por inconsistências nas informações prestadas, antes de ser renegociado e novamente aceito.
Esses casos demonstram claramente que, embora a delação premiada seja um instrumento valioso para o Ministério Público, sua eficácia depende fundamentalmente da credibilidade e da veracidade das informações prestadas.
A colaboração não é imunidade
A legislação brasileira estabelece expressamente que a colaboração premiada é um meio de obtenção de provas, não um instrumento de absolvição automática. Os benefícios oferecidos ao colaborador estão condicionados a resultados concretos e à boa-fé. A mentira, portanto, constitui uma grave violação da confiança depositada pelo Estado.
O Supremo Tribunal Federal tem reiterado em suas decisões que o colaborador premiado tem a obrigação de agir com veracidade e lealdade processual. A falta de sinceridade compromete o sistema como um todo, prejudicando a credibilidade da justiça e afetando a efetividade do combate à criminalidade organizada.