Por Carolina Villela
Entre os destaques de 2025, vamos relembrar com o Hjur como foi o julgamento do segundo grupo condenado pela tentativa de golpe de Estado. O Núcleo 4, também conhecido como Núcleo da Desinformação, foi responsável por espalhar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e promover ataques sistemáticos contra instituições e autoridades.
O julgamento da ação penal (AP) 2694 ocorreu em outubro. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal condenou os sete réus por quatro votos a um, aplicando penas que variaram de sete anos e seis meses a 17 anos de reclusão.
Além do relator, ministro Alexandre de Moraes, votaram pela condenação os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. O ministro Luiz Fux foi o único a divergir, votando pela absolvição de todos os réus. Entre os condenados estão militares do Exército de diferentes patentes, um agente da Polícia Federal e o presidente do Instituto Voto Legal. Todos foram obrigados a pagar, de forma solidária, indenização de R$30 milhões por danos morais coletivos, juntamente com os demais condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
Militares e agente da PF compuseram grupo da desinformação
Os condenados foram Ailton Moraes Barros, ex-major do Exército; Ângelo Denicoli, major da reserva do Exército; Giancarlo Rodrigues, subtenente do Exército; Guilherme Almeida, tenente-coronel do Exército; Marcelo Bormevet, agente da Polícia Federal; Reginaldo Abreu, coronel do Exército; e Carlos César Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal.
Os seis primeiros réus foram condenados por todos os crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Já Carlos Rocha foi considerado inocente, por falta de provas, das acusações de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, sendo condenado apenas pelos demais crimes.
A pena mais severa foi aplicada ao major da reserva Ângelo Denicoli: 17 anos de privação de liberdade, sendo 16 anos e seis meses de reclusão e seis meses de detenção, além de 120 dias-multa em regime inicial fechado. O presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, recebeu a menor pena: sete anos e seis meses, sendo sete anos de reclusão e seis meses de detenção, com 40 dias-multa em regime inicial semiaberto.
Penas variaram conforme grau de envolvimento na trama
O coronel Reginaldo Abreu foi sentenciado a 15 anos e seis meses, sendo 15 anos de reclusão e seis meses de detenção, além de 120 dias-multa em regime inicial fechado. O agente da Polícia Federal Marcelo Bormevet recebeu pena de 14 anos e seis meses, sendo 14 anos de reclusão e seis meses de detenção, também em regime fechado.
O subtenente Giancarlo Rodrigues foi condenado a 14 anos totais, sendo 13 anos e seis meses de reclusão e seis meses de detenção, com 120 dias-multa. Tanto o ex-major Ailton Moraes Barros quanto o tenente-coronel Guilherme Almeida receberam a mesma pena: 13 anos e seis meses, sendo 13 anos de reclusão e seis meses de detenção, além de 120 dias-multa. Todos os dias-multa foram fixados no valor de um salário mínimo à época dos fatos.
Condenações resultaram em perda de cargos e patentes
Para Marcelo Bormevet foi decretada a perda do cargo público de agente da Polícia Federal. No caso dos cinco militares condenados, o STF determinou que o Superior Tribunal Militar fosse oficiado para analisar a Declaração de Indignidade para o Oficialato, procedimento que pode levar à perda de posto e patente militar. Os réus também foram condenados a inelegibilidade de até oito anos após o cumprimento da pena.
O ministro Alexandre de Moraes destacou que alguns dos condenados estiveram envolvidos em cinco dos 13 atos executórios sequenciais reconhecidos pela maioria da Primeira Turma como evidência da materialidade dos crimes. Esses atos corresponderam a episódios distintos ocorridos entre meados de 2021 e 8 de janeiro de 2023, nos quais foram identificadas condutas que caracterizaram a atuação de uma organização criminosa.
Milícias digitais atuaram de forma sistemática e coordenada
De acordo com o relator, o Núcleo da Desinformação atuou de forma estratégica, com a contribuição direta dos réus para a atuação das chamadas milícias digitais por meio de ataques coordenados e sistemáticos às urnas eletrônicas, visando desacreditar o processo eleitoral. O ministro considerou que a ação do grupo seguia um padrão recorrente, com ataques direcionados não apenas a adversários políticos, mas também a seus familiares, independentemente da idade.
Militares da reserva que resistiam à ruptura institucional também foram ameaçados e constrangidos publicamente pelo grupo. Para o relator ficou comprovado que o ex-major Ailton Barros executou ataques virtuais direcionados ao alto escalão militar, especialmente aos comandantes do Exército e da Força Aérea que não aderiram ao plano golpista. O ministro destacou que Ailton mantinha vínculos estreitos com o líder da organização criminosa, Jair Bolsonaro, e recebia ordens diretas do general Walter Braga Netto.
Abin Paralela serviu de conexão com influenciador estrangeiro
De acordo com o ministro Alexandre, o major da reserva Ângelo Denicoli participou da chamada “Abin Paralela” e serviu como elo entre os membros do grupo e o influenciador argentino Fernando Cerimedo. Em novembro de 2022, Cerimedo fez uma transmissão ao vivo na qual anunciou um dossiê com supostas fraudes nas urnas eletrônicas, conteúdo que foi amplamente divulgado pelos apoiadores da trama golpista.
As condutas de Giancarlo Rodrigues e Marcelo Bormevet foram analisadas de forma conjunta porque, na avaliação do relator, ambos praticaram as mesmas ações, atuando diretamente na propagação de desinformação. Os dois coletavam informações sobre alvos do governo Bolsonaro mediante o uso ilícito de ferramentas e sistemas de pesquisa contratados pela Abin, como o programa First Mile.
Segundo o ministro, a adesão do tenente-coronel Guilherme Almeida ao grupo criminoso estava diretamente relacionada às suas atribuições no Comando de Operações Terrestres, onde exercia funções voltadas a influenciar grupos, afetar decisões de oponentes e neutralizar ações adversas.
Documentos falsos foram produzidos no Palácio do Planalto
Para o ministro, o coronel Reginaldo Abreu divulgou informações falsas para adiar a divulgação do relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação do Ministério da Defesa, que deveria ter sido concluído imediatamente após as eleições. As provas indicaram que ele chegou a imprimir, no Palácio do Planalto, cópias de um arquivo contendo a minuta de criação do “gabinete de crise” que atuaria após o golpe de Estado.
Em relação ao presidente do Instituto Voto Legal, o ministro assinalou que Carlos Rocha falsificou documento que serviu de laudo para representação eleitoral em que o Partido Liberal pediu a anulação da metade das urnas eletrônicas utilizadas no segundo turno.
Carlos Rocha foi condenado pelos crimes de organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Contudo, por ausência de provas, ele foi absolvido dos crimes de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Investigação contra presidente do PL foi reaberta
O relator também determinou que as provas relacionadas a Carlos Rocha fossem incluídas na Petição 12100, para continuidade da investigação sobre crimes de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito em relação ao presidente do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto, que contratou os serviços do Instituto Voto Legal.
O Núcleo 4 foi o segundo a ser julgado pela Primeira Turma do STF. O julgamento do Núcleo 1 terminou em 11 de setembro e resultou na condenação de todos os oito réus, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro. O julgamento do Núcleo 3, com mais 10 réus, foi realizado em novembro.


