Da Redação
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu em novembro passado, no dia 18, o julgamento de um dos capítulos mais graves da tentativa de golpe de Estado pós-eleições de 2022. Nove dos dez réus da Ação Penal 2696 — o chamado Núcleo 3 da trama golpista — foram condenados por planejar ações violentas que incluíam o assassinato de autoridades, entre elas o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice eleito Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE à época das eleições de 2022.
O núcleo operacional do golpe
Diferentemente dos outros grupos já julgados — o Núcleo 1, formado por Bolsonaro e seu primeiro escalão, e o Núcleo 4, responsável pela desinformação —, o Núcleo 3 era a ponta armada da conspiração. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), este grupo tinha duas frentes de atuação: uma liderança focada em ações de campo para monitorar e assassinar autoridades públicas, e outra dedicada a executar ações táticas para convencer o alto comando do Exército a aderir ao golpe.
Entre os condenados estão militares de alta patente e um agente da Polícia Federal que, segundo as investigações, atuaram de forma consciente e coordenada para fabricar narrativas falsas sobre o processo eleitoral, monitorar clandestinamente autoridades e elaborar planos operacionais para a ruptura institucional.
As condenações
Sete réus foram condenados por todos os crimes apontados na denúncia: Bernardo Romão Corrêa Netto (coronel do Exército), Fabrício Moreira de Bastos (coronel do Exército), Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel do Exército), Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel do Exército), Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel do Exército), Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel do Exército) e Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal).
Eles responderam por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado — este último crime relacionado aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Desclassificação e absolvição
O colegiado reenquadrou os crimes imputados a Márcio Nunes de Resende Jr. (coronel do Exército) e Ronald Ferreira de Araújo Jr. (tenente-coronel do Exército) para associação criminosa e incitação pública de animosidade entre as Forças Armadas contra os Poderes constituídos — delitos de menor gravidade. A ministra Cármen Lúcia reconheceu uma “atuação menor” da dupla e abriu a possibilidade de acordo de não persecução penal.
O general da reserva Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, à época chefe do Comando de Operações Terrestres (Coter) do Exército, foi absolvido por falta de provas. O relator, ministro Alexandre de Moraes, considerou que não foi possível concluir com segurança que ele tenha agido com intenção e consciência para empregar as forças militares conforme as diretrizes da organização criminosa.
Os votos: “O Brasil quase caiu num precipício”
O ministro Cristiano Zanin destacou que a denúncia comprova claramente o poder de liderança exercido por parte dos réus, com foco em ações de campo destinadas a monitorar e assassinar autoridades públicas.
A ministra Cármen Lúcia ressaltou que o grupo atuou de forma consciente e coordenada, fabricando narrativas falsas e elaborando planos operacionais para a ruptura institucional.
O presidente do colegiado, ministro Flávio Dino, foi enfático: “É inquestionável que o Brasil sofreu uma tentativa de golpe de Estado, com planos de assassinato de autoridades e crimes contra a sociedade civil e a imprensa que, se tivessem sido bem-sucedidos, teriam levado o Brasil a um novo regime de ditadura.”
“O Brasil, mais uma vez, pela irresponsabilidade e pelo antipatriotismo de alguns, flertou e quase caiu num precipício de escuridão institucional”, afirmou Dino. “Não era apenas um passeio no parque. Era um golpe que ia prender e matar pessoas, cassar a Constituição, a cidadania e a imprensa livre. E isso não são conjecturas: estava escrito no planejamento apreendido com esses vários agentes públicos.”
Um marco da Justiça brasileira
O julgamento do Núcleo 3 representa um marco na responsabilização dos envolvidos na tentativa de golpe, ao demonstrar que mesmo militares de alta patente e agentes de segurança podem ser punidos quando conspiram contra a ordem democrática. As penas individuais variam conforme o grau de participação de cada réu, refletindo o princípio da individualização da pena e a gravidade das condutas apuradas.


