O plenário do Supremo Tribunal Federal retomou, nesta quarta-feira (12/02), a discussão sobre o ônus da prova para responsabilização de entes públicos em casos de terceirização. Ou seja, se cabe ao empregado ou ao ente público contratante comprovar eventual falha na fiscalização das obrigações trabalhistas. O relator, ministro Nunes Marques, manteve o voto dado no plenário virtual e acolheu o recurso para afastar a responsabilidade subsidiária do ente público por encargos trabalhistas. Ele foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino e Luis Roberto Barroso e pela ministra Cármen Lúcia.
“A autoridade administrativa não está dispensada do ônus da provas, mas cabe ao autor da impugnação demonstrar as irregularidades alegadas, de modo que a presunção de legalidade prevalece até que se prove de forma idônea e refutável o contrário”, afirmou o relator em seu voto.
Para o ministro, a transferência da responsabilidade para a administração pública não pode ser baseada apenas em presunção de culpa, mas sim em provas concretas.
“A responsabilização subsidiária da administração pública exige objetiva e cabal comprovação de que ela deixou de observar normas referentes à validade do contrato firmado ou descumpriu dever de fiscalizar sua execução”.
Nunes Marques acolheu as sugestões feitas pelo ministro Flávio Dino e propôs a seguinte tese:
1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pelo empregado, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.
2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal e fundamentada de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, notadamente o pagamento, enviada pelo trabalhador, sindicato, ministério do Trabalho, ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.
3. Constitui responsabilidade da administração pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local convencionado em contrato nos termos do artigo 5a, do parágrafo 3, da lei 6.019, de 1974.
4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da lei 6.019/74; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da lei 14.133/21, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.”
Já o ministro Edson Fachin abriu divergência e negou o recurso. Sustentou que o ônus da prova não pode recair sobre o trabalhador, “cabendo à administração pública, que detém todos os meios legais e institucionais para isso, o dever legal de fazer prova de que agiu de acordo com a lei no momento da contratação, quanto nos momentos próprios de fiscalização”.
Na sessão desta tarde, o procurador do estado de São Paulo, Celso Alves de Resende Júnior, criticou decisões da Justiça do Trabalho que têm atribuído essa obrigação ao ente público, contrariando o entendimento vinculante do Supremo, que já afastou a possibilidade de responsabilização automática da administração pública.
“ O STF consolidou o entendimento contrário à responsabilização automática da administração pública. Entretanto, segundo ele, “a Justiça do Trabalho, de forma reiterada, tem se esquivado dessa orientação promovendo orientações que afrontam a jurisprudência vinculante desta Corte”, afirmou.
O Procurador ressaltou que o maior problema tem sido a inversão do ônus da prova.
“Uma das práticas mais preocupantes da Justiça do Trabalho é a inversão do ônus da prova, exigindo que a administração pública demonstre que fiscalizou adequadamente o contrato sem que exista previsão legal para essa inversão”.
Antônio Marinho da Rocha, que falou pela Advocacia-Geral da União, também defendeu o provimento do recurso.
Ricardo Almeida Ribeiro, representante da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças Estaduais, defendeu a regulamentação do tema e sugeriu que o seguro trabalhista fosse incluído na tese para garantir segurança para todos os lados.
Felipe Gomes Vasconcelos, representante da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista, afirmou que não seria justo transferir ônus da prova para o empregado. Argumentou ainda que a falta de pagamento de verbas rescisórias a trabalhadores terceirizados configura uma violação sistemática de Direitos Humanos.
Na mesma linha, Meilliane Pinheiro, representante da CUT, também defendeu a responsabilização do setor público.
Entenda o caso
A questão é analisada no Recurso Extraordinário (RE) 1298647, com repercussão geral (Tema 1118), em que o estado de São Paulo questionou decisão do Tribunal Superior do Trabalho que o responsabilizou subsidiariamente por parcelas devidas a um trabalhador contratado por prestadora de serviço. O recurso discute a responsabilidade subsidiária da administração pública por encargos trabalhistas de empregados terceirizados não cumpridos pela empresa prestadora de serviços.
O Estado de São Paulo sustenta que a condenação do ente público sem a devida prova, “por simples presunção”, viola os dois entendimentos do STF e caracteriza declaração velada de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 71 da Lei de Licitações. O estado também argumenta que o fato de a contratação pública necessitar de processo licitatório afastaria qualquer imputação de responsabilidade por culpa na escolha da empresa contratada.
O julgamento foi suspenso e será retomado nesta quinta-feira(13/02).