Da Redação,
A derrubada do decreto do IOF pelo Congresso Nacional nesta quarta-feira (25) expôs profundas divisões dentro do governo Lula sobre como reagir à maior derrota legislativa de 2025. Enquanto o presidente demonstra irritação nas redes sociais, o ministro da Fazenda Fernando Haddad articula uma resposta judicial no STF, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) adota postura mais cautelosa.
A votação na Câmara por 383 votos a 98, seguida de aprovação simbólica no Senado, marca o primeiro decreto presidencial derrubado pelo Congresso em três décadas, gerando um rombo de R$ 10 bilhões na arrecadação prevista para 2025.
Lula externaliza irritação nas redes sociais
A conta do presidente no Instagram fez uma postagem nesta quinta-feira (26) explicando conceitos da reforma tributária, um dia após a derrubada do IOF. Na publicação, foi incluído um trecho de entrevista ao Mano a Mano em que Lula afirma que o objetivo de Haddad é que “bets e bancos paguem mais Imposto de Renda” e declara: “Não dá para a gente ceder toda hora. Essa briga nós temos que fazer”.
Anteriormente, Lula havia minimizado as críticas ao IOF, afirmando que a medida “não tem nada de mais” e que visa fazer “justiça tributária: que as pessoas que ganham mais paguem mais”. Dados apontam que o impasse do IOF resultou na perda de 190 mil seguidores nas redes sociais do presidente em maio, evidenciando o desgaste digital da gestão.
Haddad defende ida ao STF
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não escondeu a insatisfação com o resultado e imediatamente articulou uma reação jurídica. Haddad afirmou que “na opinião dos juristas do governo, que tiveram muitas vitórias nos tribunais, é flagrantemente inconstitucional” a derrubada do decreto presidencial.
“O decreto do IOF corrige uma injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores”, escreveu Haddad no X (antigo Twitter), defendendo a medida derrubada.
O ministro participou de uma reunião de emergência no Palácio do Planalto com os ministros Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), Rui Costa (Casa Civil) e líderes governistas para avaliar os próximos passos, incluindo a possibilidade de questionar a decisão no Supremo Tribunal Federal.
AGU adota cautela técnica
Em contraste com o ímpeto político de Haddad, a Advocacia-Geral da União mantém postura mais prudente. “Todas as questões jurídicas serão abordadas tecnicamente pela AGU, após oitiva da equipe econômica”, informou o órgão em nota oficial, enfatizando que “não há qualquer decisão tomada” sobre eventual judicialização.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência reforçou que “o presidente Lula deve, na hora certa, tomar uma decisão à luz da avaliação política do governo e de uma avaliação jurídica a partir da AGU”. A comunicação sobre desdobramentos jurídicos será feita “exclusivamente pelo próprio advogado-geral Jorge Messias, no momento apropriado”.
Gilmar Mendes: precedentes permitem questionamento
O ministro do STF Gilmar Mendes afirmou à CNN que, embora a questão do IOF seja “inerentemente política”, existem precedentes jurídicos que permitem o questionamento da derrubada do decreto. “Há precedentes sobre o tema que permitem esse questionamento”, declarou o magistrado, sinalizando que o Supremo pode ser chamado a se manifestar sobre os limites constitucionais da atuação do Congresso.
Mendes ponderou que “vamos aguardar os encaminhamentos” e defendeu que “o ideal é que houvesse uma composição no campo político”. O ministro ressaltou que “o Supremo não cuida de questões puramente políticas, o Tribunal só interfere quando vem uma questão relevante do ponto de vista constitucional”, mas admitiu ser “inevitável” que questões não resolvidas politicamente cheguem ao STF.
O impacto fiscal e político
A expectativa do governo era arrecadar até R$ 10 bilhões em 2025 e R$ 61 bilhões até o fim do mandato com o decreto do IOF. Com a derrubada, o governo deve promover um novo contingenciamento entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões, afetando diretamente programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida, e o pagamento de emendas parlamentares.
A votação na Câmara contou com apoio maciço da oposição e até de partidos da base aliada. Apenas o PT e a federação PSOL-Rede votaram contra a derrubada do decreto. Partidos como União Brasil, PP, PSD e MDB, que possuem ministérios no governo, votaram pela revogação da medida.
Tensão entre poderes
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), classificou a decisão como “inconstitucional” e alertou que “esse decreto era fruto de um acordo e, de repente, o acordo não foi cumprido. Para mim, abre-se aqui um caminho perigoso”.
A decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de colocar o projeto em votação surpreendeu o governo. O próprio Haddad reconheceu que o governo foi pego de surpresa com a votação, que fora anunciada por Motta pelas redes sociais na noite anterior.
Perspectivas futuras
Para especialistas como o ex-ministro José Eduardo Cardozo, há aspectos jurídicos que poderiam fundamentar uma ação no STF, mas também há “o risco político de novamente recorrer ao Supremo contra uma decisão política” e “lançar mais uma dose de tensão à já conflagrada relação entre o Judiciário e o Congresso”.
A derrubada do decreto expõe não apenas a fragilidade da articulação política do governo com o Congresso, mas também as diferentes estratégias internas para lidar com derrotas legislativas. Enquanto Lula busca mobilizar a opinião pública através das redes sociais e Haddad aposta na via judicial, a AGU representa a ala mais prudente, que avalia riscos e custos políticos de uma eventual judicialização.