Da redação
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, lançou nesta sexta-feira (31), em Bauru (SP), uma série de ações voltadas ao enfrentamento da crise no sistema prisional brasileiro. A principal iniciativa é o Emprega Lab Nacional, programa que estabelece como meta ambiciosa alcançar 50% da população carcerária com oportunidades de trabalho decente e renda, garantindo remuneração mínima e condições dignas. Atualmente, 74,4% das pessoas presas no Brasil não trabalham, e entre as que trabalham, 47,1% não recebem qualquer remuneração.
As ações fazem parte do programa Pena Justa, criado para combater a situação de calamidade nas prisões brasileiras e quebrar o ciclo de reincidência criminal. Durante o evento em Bauru, o ministro Fachin também inaugurou a primeira unidade do serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC) na Justiça estadual de São Paulo e instalou duas varas especializadas em violência doméstica. O presidente do CNJ enfatizou que a violência que assola diversos estados passa necessariamente pela reinserção dos egressos do sistema penal na sociedade.
Emprega Lab promove trabalho decente no sistema prisional
O Emprega Lab Nacional funcionará como um hub de inovação e governança, reunindo representantes do Judiciário, do Executivo, do empresariado e da sociedade civil em torno da promoção do trabalho decente dentro das unidades prisionais. A iniciativa busca desenvolver diretrizes estratégicas e modelos de financiamento sustentável para ampliar as oportunidades de trabalho e renda para pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema penal.
“Se nós obviamente nos tornamos abismados com a violência que em determinados locais do país acaba vitimando pessoas, cidadãos e também policiais e agentes públicos, de outro lado nós devemos tratar das soluções. E as soluções passam para que quem saia do encarceramento não volte a delinquir. Essa porta giratória da reincidência é um círculo vicioso que precisa ser quebrado”, afirmou o ministro Fachin durante o lançamento do programa.
O Emprega Lab é resultado de uma parceria entre CNJ, Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen/MJSP), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Ministério Público do Trabalho (MPT). A estratégia visa enfrentar diretamente o déficit de trabalho e renda que caracteriza o sistema prisional brasileiro, onde a esmagadora maioria dos detentos permanece ociosa, sem qualquer perspectiva de qualificação profissional ou geração de renda.
Duas frentes de atuação para transformar realidade prisional
A versão nacional do Emprega Lab atuará em duas frentes principais, ambas essenciais para o sucesso da iniciativa. A primeira é a governança, voltada à elaboração de diretrizes estratégicas e de modelos de financiamento para garantir a execução sustentável de ações nos estados e municípios. Essa frente estabelecerá os parâmetros e padrões que deverão ser seguidos em todo o território nacional.
A segunda frente é a articulação, responsável pela prospecção de parcerias público-privadas, pelo acompanhamento da implementação das ações e pela integração entre instituições públicas e sociedade civil. O ministro Fachin explicou que o Emprega Lab vai atuar no desenvolvimento dessas diretrizes para promover o trabalho decente no sistema prisional, seguindo exemplos bem-sucedidos que já funcionam em diversas unidades prisionais pelo país.
Além do laboratório nacional, o CNJ e seus parceiros estão fomentando a criação dos Emprega Labs Estaduais, cuja primeira unidade foi lançada na Paraíba na semana passada. Essas instâncias serão vinculadas aos Comitês Estaduais de Políticas Penais e atuarão no planejamento e execução de ações voltadas à qualificação profissional, ao empreendedorismo e à intermediação de vagas de trabalho, sempre de acordo com as diretrizes estabelecidas nacionalmente.
Atendimento humanizado nas audiências de custódia
Outro marco importante do evento foi a instalação da primeira unidade do serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC) na Justiça estadual de São Paulo, em Bauru. As APECs também fazem parte das metas do programa Pena Justa e já estão presentes em 64 localidades de 26 unidades da federação. Esses espaços funcionam como ambientes de acolhimento e avaliação de pessoas conduzidas a audiências de custódia.
Nas APECs, equipes multidisciplinares coletam informações detalhadas para subsidiar a decisão judicial sobre a manutenção ou não da prisão preventiva, além de realizar encaminhamentos de proteção social que se façam necessários. “O Estado não tem o direito de desumanizar aquele que precisa ser reinserido socialmente. É preciso que o apenado, o custodiado, receba esse acompanhamento”, destacou o ministro Fachin.
O presidente do CNJ defendeu enfaticamente que os juízes priorizem audiências de custódia presenciais para permitir ao preso a garantia de seus direitos fundamentais. Segundo ele, a presencialidade é essencial para que o magistrado possa conhecer verdadeiramente quem está sendo julgado e identificar eventuais violações de direitos.
Presencialidade garante direitos fundamentais
“Um juiz ou juíza podem decidir melhor quando sabem com quem lidam, quem são as pessoas que se apresentam, e quando sabem com base em anamnese social: quem são, como ali chegaram. Tudo isso faz entender melhor a repercussão da Justiça sobre essas pessoas”, explicou o ministro. Ele ressaltou ainda a importância da presencialidade “para identificar indícios de eventuais maus tratos e, quiçá, até mesmo tortura e realização do exame de corpo de delito prévio”.
Durante o evento, foram distribuídos exemplares do Manual de Proteção Social na Audiência de Custódia, publicação que detalha o funcionamento da metodologia da APEC e foi lançada pelo CNJ em 2020. O material serve como guia para profissionais que atuam nessas unidades, estabelecendo protocolos e procedimentos padronizados.
A nova unidade da APEC em Bauru funcionará junto à Vara de Garantias e será mantida por meio de parceria entre o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e o poder público local. No mesmo evento, também foram instaladas duas varas especializadas em violência doméstica, ampliando a estrutura de enfrentamento à violência de gênero no estado de São Paulo e demonstrando o compromisso do Judiciário com a proteção de grupos vulneráveis.



