Da Redação
O Projeto de Lei (PL) de atualização do Código Civil — PL 4/25 — elaborado por uma comissão de juristas e que começa a tramitar no Congresso, foi objeto de audiência pública na última quinta-feira (11/12) no Senado Federal, com a presença de parlamentares, juristas, magistrados, ministros de tribunais superiores e muitos advogados. E o debate mostrou que a tramitação da matéria não será tão fácil. Existem elogios e expectativas positivas em relação ao texto, mas também muitas críticas, principalmente por parte dos advogados.
O PL 4/25 é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que presidiu a audiência pública. Foi ele que, quando foi presidente do Senado, entre 2023 e 2024, instituiu uma comissão de juristas para elaborar o texto que posteriormente apresentou.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ), um dos primeiros a falar, afirmou estar preocupado com a prática de juízes de aplicarem a lei de modo muito diferente do texto legal, o que poderia colocar em xeque a aplicação do novo Código Civil. Portinho é relator do tema referente a responsabilidade civil, na proposta.
“Magistrado tem que aplicar a lei como é, se não, nada do que a gente está fazendo aqui vai alcançar resultado nenhum. Juízes não são a lei, elas são feitas pelos legisladores”, frisou o parlamentar.
Pontos considerados “nocivos”
O advogado José Roberto Castro Neves classificou como “nociva” para o investimento a possibilidade de o magistrado aumentar em até quatro vezes a indenização por danos extrapatrimoniais – como os danos morais. Isso poderá ocorrer, na forma como a proposta se encontra hoje, se o ofensor for uma empresa rica, por exemplo, pois levará em conta a condição econômica.
“Tenho certeza que vai ser muito nocivo para o investidor estrangeiro aplicar dinheiro em um país onde, se ele cometer um dano, [o valor] poderá ser quadruplicado. Não há nenhum casamento com o prejuízo que ele de fato vai causar”, disse.
Já o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fábio Floriano de Melo, destacou que a Justiça brasileira tem altos índices de processos judiciais de indenizações. E citou dados divulgados pelas companhias aéreas como exemplos. “O Brasil é responsável por 1,2% dos vôos domésticos do mundo; mas tem 98,5% das ações contra o setor no planeta.
As informações foram divulgadas em 2024 pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas e pela Associação Internacional de Transportes Aéreos”, afirmou.
Incentivo à prevenção de danos
Numa posição diferente, o advogado Nelson Rosenvald argumentou que existe o que ele chamou de “fenômeno mundial” em que as empresas calculam se praticar o ilícito e pagar a indenização é mais lucrativo do que adotar procedimentos responsáveis. Por isso, elogiou o projeto. E disse que o atual Código Civil não incentiva a prevenção de danos, mas o texto de Pacheco sim.
“Eu não nego que existe um estoque judicial alto no Brasil. Mas o que nós temos no Brasil hoje é uma banalização das vítimas. [Existem empresas] pegando carona no seu direito de imagem, no seu direito autoral, na sua marca, na sua patente. E isso só piora nesta era algorítmica, em que somos reduzidos a um conjunto de dados que nos despersonaliza”, acentuou Rosenvald.
Para a ministra Maria Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ajudou a elaborar o PL, custo Brasil (série de custos para investir no país) não mudará, com ou sem a alteração do Código Civil. Ela defendeu que o texto proposto reproduz as decisões que os tribunais já adotam hoje.
Impacto sobre pequenos negócios
A representante da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Juliana Cordeiro de Faria, citou preocupações com o impacto do novo código sobre pequenos negócios. Ela destacou que o projeto prevê que “todo aquele que cria situação de risco obriga-se a tomar as providências para evitá-los”, o que poderia ampliar significativamente a responsabilização de profissionais para além do que prevê hoje o Código de Defesa do Consumidor.
Mas sua posição foi rebatida pelo presidente do STJ, ministro Herman Benjamin. Benjamin, que elogiou o projeto, explicou que a proposta altera o foco nos danos ocorridos para ações que deveriam ter sido adotadas justamente para evitar esses danos. Uma mudança que, em sua opinião, considera necessária.
“Nós, juízes, somos os piores árbitros para o dano. Na maioria das vezes, o dano não pode ser reparado de forma adequada. Não é possível imaginar um sistema de responsabilidade civil baseado no dano”, acrescentou o magistrado.
Juliana Cordeiro ainda considerou insuficientes os critérios para definir em quais atividades a pessoa deverá indenizar um dano independentemente de sua culpa. A proposta prevê a regra para casos que não são perigosos na sua essência, mas que trazem riscos especiais e diferenciados. Para identificar essas atividades, o juiz terá de considerar a estatística e a experiência. O que, conforme a análise da advogada, poderá levar a decisões diferentes e ao aumento de conflitos judiciais.
Alerta para evitar aumento da burocracia
Outro critério a ser utilizado será possíveis classificações de risco por agências reguladoras. O representante do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Luiz Fernando Dalla Martha, ponderou que a previsão pode aumentar a burocracia e beneficiar empresas com maior lobby. Ele pediu que a jurisprudência defina esses risco especiais e diferenciados.
O PL 4/24, dispõe sobre a atualização do Código Civil, cuja vigência é de 2002. A proposta prevê mudanças em diversas áreas, como capacidade civil, direitos de personalidade, registro civil, responsabilidade civil e contratos. Modernizações que possuem como objetivo, conforme consta na sua justificativa, “aperfeiçoar a legislação a novos contextos sociais e tecnológicos, além de reforçar a proteção de direitos fundamentais e a segurança jurídica”. O texto está, até o início de março de 2026, em fase de recebimento de emendas.
— Com informações da Agência Senado



