Da redação
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta terça-feira (21) os sete réus do Núcleo 4 da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O grupo, formado por militares e um agente da Polícia Federal, foi acusado de espalhar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e atacar sistematicamente instituições democráticas e autoridades. A votação terminou em 4 a 1, com apenas o ministro Luiz Fux votando pela absolvição.

Entre os condenados estão o ex-major Ailton Barros, o major da reserva Ângelo Denicoli, o coronel Reginaldo Abreu e o engenheiro Carlos César Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal. As penas variam de 7 a 17 anos de reclusão, e seis dos sete réus foram condenados por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Além das penas de prisão, o grupo terá que pagar indenização mínima por danos morais e materiais coletivos, de forma solidária, no valor de R$ 30 milhões.
Maioria se forma com voto de Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia foi a quarta a votar e formou a maioria necessária para a condenação dos réus. Ao iniciar sua fala, a ministra lembrou que “democracia vive da confiança e ditadura vive da desconfiança”, em clara referência às ações do grupo que tentou minar a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro. Ela seguiu o entendimento do relator, ministro Alexandre de Moraes, que votou pela manhã pela condenação dos sete acusados.
O ministro Cristiano Zanin foi o segundo a votar e também acompanhou o relator, rejeitando todas as preliminares de defesa. Zanin destacou que uma das características essenciais da organização criminosa é o espírito de solidariedade entre seus integrantes e ressaltou que, nos crimes contra o Estado Democrático de Direito, o mero início da execução já configura a consumação. O presidente da Primeira Turma, ministro Flávio Dino, completou a maioria ao votar pela condenação.
O único voto divergente foi do ministro Luiz Fux, que defendeu a absolvição de todos os réus. Fux argumentou que não há conexão entre os três momentos investigados: o processo eleitoral, a operação Punhal Verde e Amarelo e os atos de 8 de janeiro de 2023. O ministro também questionou a competência do STF para julgar réus sem prerrogativa de foro e criticou o fato de o julgamento ocorrer em uma das Turmas, e não no Plenário da Corte.
Atuação estratégica das milícias digitais
De acordo com o relator da ação penal (AP) 2694, ministro Alexandre de Moraes, o “Núcleo da Desinformação” atuou de forma estratégica para desacreditar o processo eleitoral brasileiro. O ministro destacou que alguns dos réus estiveram envolvidos em cinco dos 13 atos executórios sequenciais reconhecidos pela maioria da Primeira Turma como evidência da materialidade dos crimes. Esses atos corresponderam a episódios distintos ocorridos entre meados de 2021 e 8 de janeiro de 2023.
Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), os integrantes do Núcleo 4 foram responsáveis por coordenar ataques sistemáticos não apenas contra adversários políticos, mas também contra seus familiares, independentemente da idade. Militares da reserva que resistiram à ruptura institucional também foram ameaçados e constrangidos publicamente pelo grupo.
O ministro Alexandre de Moraes considerou que a ação do grupo seguia um padrão recorrente, com a contribuição direta dos réus para a atuação das chamadas milícias digitais. O objetivo era disseminar informações falsas sobre as urnas eletrônicas de forma coordenada, minando a confiança da população no sistema eleitoral e criando o ambiente propício para uma tentativa de golpe.
Papel de cada condenado na trama golpista
O ex-major do Exército Ailton Barros teve participação ativa no grupo, executando ataques virtuais direcionados ao alto escalão militar, incluindo comandantes do Exército e da Força Aérea que resistiam à ruptura institucional. Para o ministro Alexandre de Moraes, Ailton mantinha vínculos estreitos com o líder da organização criminosa, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e recebia ordens diretas do general Walter Braga Netto. Ele foi condenado a 13 anos e seis meses de reclusão em regime inicial fechado.
Ângelo Denicoli, major da reserva do Exército, recebeu a pena mais alta: 17 anos de prisão em regime inicial fechado. De acordo com o relator, ficou comprovado que Denicoli participou da chamada “Abin Paralela” e serviu como elo entre os membros do grupo e o influenciador argentino Fernando Cerimedo. Foi ele quem forneceu o material utilizado pelo influenciador argentino Fernando Cerimedo em uma transmissão ao vivo de novembro de 2022, na qual anunciou um dossiê com supostas fraudes nas urnas eletrônicas.
O coronel do Exército Reginaldo Abreu foi condenado a 15 anos e seis meses de reclusão. Segundo as provas, ele divulgou informações falsas para adiar a divulgação do relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação do Ministério da Defesa. Além disso, chegou a imprimir no Palácio do Planalto cópias de um arquivo contendo a minuta de criação do “gabinete de crise” que atuaria após o golpe de Estado, no qual teria posição de destaque na assessoria de inteligência.
Abin paralela e uso ilícito de sistemas de espionagem
Marcelo Bormevet, agente da Polícia Federal, e Giancarlo Rodrigues, subtenente do Exército, tiveram suas condutas analisadas de forma conjunta pelo relator. Ambos atuaram diretamente na propagação de desinformação através da “Abin Paralela”. Foi Alexandre Ramagem, então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), quem indicou Bormevet para a estrutura clandestina, onde atuou em conjunto com seu subordinado Giancarlo.
Os dois coletavam informações sobre alvos do governo Bolsonaro mediante o uso ilícito de ferramentas e sistemas de pesquisa contratados pela Abin, como o programa First Mile. Também ficou demonstrada a utilização de sistemas clandestinos, pagos em moedas estrangeiras, para obter informações sobre autoridades, inclusive ministros do STF. Bormevet foi condenado a 14 anos e seis meses de reclusão e também perdeu o cargo público. Giancarlo recebeu pena de 14 anos.
O tenente-coronel do Exército Guilherme Almeida foi condenado a 13 anos e seis meses de prisão. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, sua adesão ao grupo criminoso está diretamente relacionada às suas atribuições no Comando de Operações Terrestres (Coter), onde exercia funções voltadas a influenciar grupos e neutralizar ações adversas. Os autos comprovam a ligação de Guilherme com o tenente-coronel Mauro Cid, a quem enviou o link de uma live com conteúdos falsos sobre as urnas eletrônicas.
Condenação parcial de Carlos Rocha
Carlos César Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, teve um tratamento diferenciado. O ministro Alexandre de Moraes votou pela absolvição por falta de provas quanto a três crimes – golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado – mas pela condenação quanto aos demais delitos. Rocha foi condenado a 7 anos e seis meses de reclusão, iniciando em regime semiaberto, mais 40 dias-multa.
Segundo o relator, as provas demonstram que Rocha falsificou documento que serviu de laudo para representação eleitoral na qual o Partido Liberal (PL) pediu a anulação da metade das urnas eletrônicas utilizadas no segundo turno das eleições de 2022. Ao elaborar o documento, Rocha sabia que não havia nenhuma irregularidade no sistema de votação e, mesmo assim, aderiu à empreitada para que a versão final do relatório continuasse a ser divulgada pelos meios de comunicação.
Contudo, o ministro não verificou nos autos nenhuma menção a Rocha sobre troca de informações com os demais membros da organização criminosa relacionadas aos outros crimes. Por ausência de provas específicas, votou pela absolvição do presidente do IVL dos crimes de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Desdobramentos e próximos passos
Além das condenações criminais, todos os réus foram condenados ao pagamento de indenização mínima por danos morais e materiais coletivos no valor de R$ 30 milhões. O STF determinou ainda que, após o trânsito em julgado da decisão, a presidência do Superior Tribunal Militar (STM) seja comunicada das condenações dos réus Ailton Gonçalves, Ângelo Denicoli, Guilherme Marques e Reginaldo Vieira, todos militares.
Por maioria, a Primeira Turma também decidiu enviar o pedido de reabertura de investigação sobre crimes de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito envolvendo o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto.