Por Hylda Cavalcanti
Uma situação na qual que se fala muito quando se trata de relacionamentos amorosos e leva a problemas judiciais acontece quando duas pessoas se dizem “namorados” por anos, às vezes décadas, sem consolidar a relação nem em casamento, nem em união estável. Depois, quando uma delas parte para outro relacionamento, a pessoa que leva o fora tem direito a ser indenizada por isso?
O Judiciário tem avaliado as situações a partir de cada caso, mas o entendimento geral é de que a pretensão não é cabível.
Em 2014, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) chamou a atenção do país por ter dado ganho de causa a um homem aposentado que estava sendo processado por ter desistido de se casar com sua namorada de anos, também aposentada.
Ela argumentou judicialmente que o ex-namorado, depois de “alimentar suas esperanças quanto ao casamento por 39 anos, enquanto eles se relacionavam, descumpriu as promessas e rompeu com ela, causando-lhe sofrimento e decepção”.
Conforme relatou a mulher, o envolvimento começou quando ela tinha 15 anos e o parceiro, 22.
Ela contou que, por orientação dele, tomou anticoncepcionais desde o início do namoro até os 40 anos, quando entrou na menopausa. Em julho de 2011, quando estava com 54 anos, ele sumiu, sem dar explicações.
Vida e sonhos
A mulher buscou a Justiça em janeiro de 2012, alegando que, como entregou “sua vida, seus sonhos e sua juventude, para se ver repentinamente abandonada e desprezada”, merecia uma reparação.
O homem argumentou que a mulher consentiu com a união, que consistia em encontros esporádicos espaçados por quinze dias ou mais, e só após dez anos começou a falar em casamento. Negou que tivesse “sumido” e disse que terminou o relacionamento depois de discussões com a parceira.
Também negou que ela tivesse demonstrado, ao longo do período de convivência, “qualquer interesse em ter filhos”. Por fim, sustentou que “ninguém pode ser punido por terminar um relacionamento” e que o procedimento correto por parte da mulher seria ajuizar ação de reconhecimento de união estável.
Não cabe indenização
O juiz Eduardo Veloso Lago, da 25ª Vara Cível de Belo Horizonte, reconheceu que a aposentada poderia se sentir ressentida com a ruptura, mas não considerou que o fato caracterizou conduta passível de ser penalizada com indenização.
Para o magistrado, o estabelecimento e a manutenção de um vínculo amoroso baseia-se na liberdade e na livre escolha individual.
“Ninguém pode ser compelido a se unir ou a permanecer unido indefinidamente. Estivesse insatisfeita com a relação, a autora poderia ultimá-la ao longo de todos esses anos. Do mesmo modo, é juridicamente incensurável a opção do réu em finalizar o relacionamento a qualquer tempo”, sentenciou, em 23 de agosto de 2013.
A mulher recorreu, defendendo que se tratava da quebra de uma promessa e ressaltando o efeito psicológico da atitude do ex-parceiro sobre ela.
Sem dano moral
O então desembargador Moacyr Lobato, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) — hoje aposentado — rejeitou recurso da autora do processo e confirmou decisão da 25ª Vara Cível de Belo Horizonte.
O relator esclareceu que a frustração de expectativa de casamento não justifica indenização por danos morais, porque não viola dever jurídico legítimo, já que não se comprovou haver compromisso pré-nupcial ou acerto formal entre as partes.
Para o desembargador e jurista Sérgio Cavlieri Filho, do Rio de Janeiro, apesar do reconhecimento do abalo emocional que toda pessoa tem ao perder um companheiro, seja namorado ou com quem mantém outro tipo de relação, o término de um relacionamento nao acarreta o dano moral.
“O dano moral consiste na violação dos direitos personalíssimos do indivíduo, a afronta à dignidade da pessoa humana, bem como a apuração de sensações e emoções negativas tais como a angústia, o sofrimento, a dor, a humilhação, sentimentos estes que não podem ser confundidos com o mero dissabor, aborrecimento, que fazem parte da normalidade do dia a dia”, disse.
“Apesar de reconhecermos que o indivíduo sofre um abalo emocional após o término de uma relação, seja namoro ou noivado, não se pode olvidar que são perdas que a pessoa precisa enfrentar. Geram, sim, decepção e desilusão, contudo são sentimentos próprios da vida”, acrescentou Cavlieri Filho.